segunda-feira, 10 de agosto de 2009

CLÁSSICOS NO DVD






Há filmes que não resistem ao tempo. O normal é o envelhecimento físico (da cópia) ao complexo forma – conteúdo da realização. Mas há exceções. E uma delas é “A Cadela” (La Chienne/França, 1931) de Jean Renoir. Com roteiro de André Girard e do próprio Renoir baseado no livro de Georges de la Fouchardière. O filme trata de um modesto caixa de uma empresa, Maurice (Michel Simon) atormentado pela intolerância da esposa, Adele (Magdeleine Bérubet), distrai-se pintando quadros e com isso irrita a companheira que várias vezes ameaça “jogar tudo fora”.
Ao encontrar Lucienne (Janie Marèse), ou Lulu, como é chamada no “bas-fond”, Maurice se apaixona e não só passa a visitá-la como desloca seus objetos de lazer (os quadros) para o apartamento dela. A forte aproximação entre os dois não aclara a ingenuidade do amante de estar sendo usado financeiramente pela garota para proteger seu amado, o gigolô Dede (George Flamant). Com as altas despesas ultrapassando o seu salário, Maurice dá conta que pode retirar quantias do caixa sob sua responsabilidade.
Com o casamento desfeito pela descoberta de que o primeiro marido de sua esposa, ainda vivia embora tido como morto na guerra, sua mudança definitiva para o quarto de Lulu vai revelando o outro lado da vida da mulher, flagrando-a em intimidades com o cafetão. Discussões seguidas levam o velho Maurice, humilhado pela amada, a cometer um assassinato, sendo Dede incriminado e condenado por ter passagens na polícia. Maurice fica impune e depois de gastar a herança que recebeu com a morte da esposa, passa a mendigar. Sua culpa, entretanto, será reconhecida.
A força do filme se dá pelo desempenho primoroso do elenco, especialmente Michel Simon (aqui lembrando outro sucesso de sua filmografia: “Trágica Inocência”,1947, de Henri Decoin). É um drama denso que aponta as grandes tragédias que envolviam as questões de classe e de gênero de um tempo em que as seduções amorosas de “homens honrados” tendiam a justificar a dupla face do casamento. E as regras sociais faziam por onde “explicar” as “escapadas” masculinas e culpar as esposas, como expressas nas imagens de Adele pintadas no filme. Sem dúvida esta situação tem sido denunciada, mas os crimes contra as mulheres ainda hoje são um dado alarmante.

“Sangue na Lua”(Blood in the Moon) de Robert Wise é de 1948. Os historiadores de cinema inscrevem-no como “western noir”. Procede a assertiva com a brilhante fotografia de Nicholas Musuraca, técnico que auxiliou no clima de filmes noir como “Só A Mulher Peca”(Clash by Night) e “A Gardênia Azul”(Blue Gardênia), ambos dirigidos por Fritz Lang. Com tipos marcados pelo gênero, Robert Mitchum protagoniza um vaqueiro que perdeu seu gado e tenta emprego numa região onde dois grupos estão em luta pelos pastos, um deles notoriamente um malfeitor (Robert Preston). O tipo vivido por Mitchum tende ao lado dos bons, com a namorada (Bárbara Bel Geddes) sendo filha do fazendeiro honesto. Com todos os clichês, o filme consegue sair da mediocridade pela beleza plástica e pela direção de Wise, um cineasta versátil que não se considerava à vontade no gênero western. Produção da antiga RKO.

Outro filme da lavra dos anos quarenta é “A Sombra da Forca” (Time Without Pity/Inglaterra,1946) de Joseph Losey. O excelente ator Michael Redgrave (pai de Vanessa Redgrave) protagoniza um advogado alcoólatra residente no Canadá que se desloca a Londres para defender o filho condenado pelo assassinato de uma jovem. Sabe-se que o rapaz é inocente, mas o tribunal que o julgou pediu a pena de morte na forca. O pai, com quem o jovem não tem bom contacto, sabe da inocência do filho, mas tem pouco tempo para obter uma prova segura que o liberte. Ao descobrir o verdadeiro assassino só vê um meio de conseguir adiar a sentença e revelar o verdadeiro culpado: deixar-se assassinar da mesma maneira em que seu deu o outro crime.
Estereótipos prejudicam um maior aprofundamento da trama, mas o filme se mostra bem acima da média.

REGISTROS

No dia 09/08, Pedro Veriano aniversariou. No Pará, os que tratam da cultura reconhecem o valor desse crítico que tem dado sua vida pela causa do cinema, seja no âmbito de exibição, realização, divulgação e de formação de platéias. Desde que eu me entendo convivendo ao seu lado, há mais de 50 anos, o estudo sobre a teoria do filme, a estética, a história e as dimensões da narrativa em mudança nas várias escolas mundiais, sempre foram seu mais intensivo modo de conviver com as “letras e artes”. O cinema paraense tem nele seu historiador. Digo sempre que ele é “um militante cinematográfico”, pois jamais se aposentou da escritura crítica e se sente feliz quando vê uma sala de exibição cheia de público. Quando o filme é de arte, ou algum que está na sua expectativa de espectador ou é de sua predileção, a alegria é ainda maior. É um amante apaixonado dessa arte. Deste espaço, agora sem sua “janela” aos sábados, canto p’ra ele uma versão a là Frank Capra do “parabéns a você”.
Outro aniversariante da lavra artístico-cultural-cinematográfica belenense foi Vicente Franz Cecim (o nosso Godard). No dia 7, o amigo venceu mais uma etapa de um tempo que, embora marcado pelos cabelos embranquecidos, consolida a juventude cheia de sabedoria do autor de uma “Viagem a Andara” que está sempre em movimento.
Uma declaração de amor para os dois aniversariantes de agosto.

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