sábado, 8 de agosto de 2009

O MÉDICO E O MONSTRO




Pedro Veriano no seu espaço semanal
faz um “exame de consciência” e se revela na opção pelo cinema acadêmico.
Mas a sinceridade é digna.
Pior é dizer uma coisa e ser outra.
Ele não gosta do cinema de Godard.
Não faz mal. Outros/as (como eu) gostam.
E muito.(LMA).

Sinto-me muitas vezes como a personagem descrita por Robert Louis Stevenson: tenho o meu lado médico, que leva o sobrenome Direito Álvares, e o meu lado monstro, o do jornalista Pedro Veriano. Vivi do primeiro lado e até hoje, se ganho aposentadoria, deriva dele. Mas sou conhecido pelo monstro. Por isso um blog antigo, que estou matando devagar, é quase inacessível: www.verianoalvares.zip.net O outro (blog) criado agora para o bem dos poucos e felicidade geral dos menos (gosto de parafrasear meu xará imperador), chama-se www.pedroveriano.blospot.com. Mais monstro. E trato disso agora porque no meu primeiro blog escrevi um texto que chamei assim: “Nouvelle Vague, et alors...” Nele expliquei porque não me balança o estilo de cinema de monsieur Jean Luc Godard. Sigo nesse compasso o critico que na minha juventude era um ícone: Antônio Moniz Viana, também medico, mas sem expor delineadamente as suas duas faces, ele dizia: “O cinema de Godard é focalizar duas pessoas falando em cabeceiras de uma mesa e focalizando apenas o meio da mesa”. Precursor inadvertido daquelas cópias em vídeo do tipo “fullscreen” (tela cheia) que cortam as laterais do plano. Eu gosto muito do “Gigi” de Vincente Minnelli, mas no DVD que a Warner lançou no Brasil (especificamente no Brasil onde se gosta disso e de dublagem, ou seja, deturpações de cinema) surge Maurice Chevalier cantando com Hermione Gingold, cada um de um lado de uma mesa de bar, e a tomada fixa da projeção anamórfica (cinemascope) vira um nervoso movimento de um lado para o outro prejudicando a elegância da seqüência.
Godard é como dizia Francisco Paulo Mendes: um cineasta muito inteligente e culto, mas que (ainda) não fez um grande filme”. O comum nas suas obras é o derrame de erudição. Fala-se demais do que se as personagens estão lendo. As imagens via de regra rendem-se às palavras e se ouve mais do que se vê. Lembro Hamlet ao responder sobre o que estava lendo: “palavras, palavras, palavras”. Nos filmes de Godard cita-se autores velhos e novos, e não há métrica para expor idéias que, de tão confusas na exposição, ficam subtraídas pelo enfado – ou pela intransigente curiosidade de saber o que ele quis ou quer dizer.
Num dos últimos filmes de Godard que eu vi, “Helas Pour Moi” (penso que o titulo servia bem ao espectador), um casal está numa praça à margem de um rio e a câmera não se move mesmo que o casal caminhe se afastando do foco. No fundo do quadro há um barco passando. Quando se focaliza outras pessoas, o barco, que havia passado, volta a passar. Tudo bem que se trata de um assunto a seguir. Mas isto é adivinhação de quem vê. Não há motivo para o barco, para a demora do plano, para a própria luz ambiente. Se há, cada um interprete de seu modo, e eu posso ver como a teimosia das figuras focalizadas, embora não as conheça – ou venha a conhecer no decorrer da projeção – para encaixar essa teimosia nos caracteres.
Você pode divagar através do cinema. Os surrealistas obviamente não pedem explicações.
Mas Godard não é surrealista. É um manipulador do realismo com a teimosia de ser inventor. Quis reinventar o cinema. Como a própria “nouvelle vague” propôs jogar na vala comum os cadáveres de Marcel Carné, Jean Dellanoy, e outros cineastas
que agüentaram o cinema francês quando o nazismo andou faiscando por baixo da Torre Eiffel. O curioso é que o “filme do século” para os intelectuais parisieneses
foi “O Boulevard do Crime” (Les Enfants du Paradis) de Carné. Nessa escolha os novos sobraram. E Truffaut fez ótimos filmes,
idem Chabrol idem Rivettre, idem Malle, idem Resnais, e só não engulo Eric Rohmer que me parece desleixado na textura de suas abordagens quase sempre literárias (mesmo assim longe do esquematismo de Godard).
OK sou “vielle”. Mas o meu lado monstro é assim mesmo,
metódico por influência, quem sabe, do meu lado médico. Vale dizer que sou um
Hyde a la Jerry Lewis, o que não me envergonha.
Ah sim: o primeiro filme de Godard passa hoje no Centur às 16,30. O debate vai ser aquele derrame de loas. Não devo estar presente. Nunca fui masoquista. (Pedro Veriano).

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