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sexta-feira, 22 de janeiro de 2010
VICIO FRENÉTICO
O cinema de Werner Herzog, 67 anos, mostra certa transformação desde seus primeiros trabalhos como “Os Anões Também Começam Pequenos” e “Fatamorgana. Na versão de um crítico norte-americano, esse diretor alemão, ao abordar a ficção com base em fatos reais ou literários apresenta-se mais realista. “O Sobrevivente” (Rescue Dwan/2006) é um exemplo. Naquele filme, cuja cópia só circulou por aqui em DVD, o roteiro, do próprio diretor, era extraído de um relato autobiográfico, contando a odisséia de um piloto norte-americano cujo avião havia caído no Camboja em plena Guerra do Vietnam.
Agora, em “Vicio Frenético” (Bad Lieutenant, Port New Orleans/EUA, 2009), o mago Herzog refilma um titulo do diretor italiano Abel Ferrara com tradução homônima no Brasil. Enfoca o drama de um policial que durante o furacão Katrina, em Nova Orleans, salva um preso de morrer afogado em sua cela, na penitenciária local. Essa atitude obteve êxito, embora o policial Terence McDonald (excelente interpretação de Nicolas Cage) tenha ficado com uma lesão na coluna vertebral, obrigando-o ao uso desenfreado de analgésicos fortes. Esse fato abriu as portas do mundo das drogas pesadas para o infortunado personagem. Não demora e ele passa a dividir por conta própria as drogas que flagrava com os bandidos que prendia, ou forçava-os a entregar-lhe as “petecas” de crack. Com isso enveredou pelo comércio de tóxicos, conheceu os grande traficantes, arranjou droga para a sua namorada (Eva Mendes), uma prostituta que sempre o ajudava, e ao solucionar de forma discutível o massacre de uma família negra acabou recebendo uma promoção de tenente a capitão. Apesar disso não aproveitou a sorte para se internar numa das clinicas de desintoxicação como sugeriu a namorada. Mas encontrou o homem que salvou do furacão e é este quem o estimula, contando que após seu quase afogamento conseguiu redimir-se, curando-se do vicio e saindo das malhas do tráfico.
O filme é muito bem narrado e do antigo cinema de Herzog só se encontra as cenas de delírio, quando Terence vê um iguana ou outra figura que se intromete no quadro de sua ação.
Condução homogênea do elenco e a filmagem “in loco”, criando uma montagem dinâmica, fazem de “Vicio Frenético” um dos melhores exemplos de “filme policial” dos últimos tempos. Consumidora de algumas teleséries do gênero observei que o cineasta soube tirar partido do melhor desses programas. O filme é mais do que um momento de “Lei e Ordem” (Law & Order): envereda forte pela introspecção, procura mostrar o que se passa com o seu herói, segue a preferência de Herzog pela observação do ser humano, especialmente do marginalizado (“Kaspar Hauser” é uma lembrança). Contudo, o filme não é só uma narrativa policial, mas uma evidência crítica e política do processo corporativo da instituição e com isso se diferencia de muitos filmes desse gênero. Para isso, conferir a seqüência final quando as situações anteriores de corrupção do policial Terence se harmonizam com os objetivos da chefia e tudo se encaixa num grau de louvação ao seu comportamento, levando-o à promoção.
Fiquei surpresa com o fato de Nicolas Cage não ter sido indicado para o Globo de Ouro, prêmio dado esta semana a muitas celebridades do cinema e TV norte-americanos. A meu ver foi o melhor desempenho desse ator até hoje. Um close de uma gargalhada depois da dor (ou por causa dela) é um exemplo de como o diretor soube explorar o potencial desse interprete. E a cínica performance do personagem quando todos supõem-no integro é mais um ponto a favor de seu desempenho.
Não lembro o filme de Abel Ferrara e Herzog diz que não o assistiu. Seja como for, a refilmagem sofreu mudanças. A começar com o enfoque do Katrina, Obviamente isso não acontecia na versão de 1992 (o furacão que se abateu sobre Nova Orleans foi em 2004). E o último plano, com dois homens adiante de um aquário comentando partes de suas vidas é um “achado” que não existiu antes (o aquário fica em primeiro plano e as pessoas são vistas por detrás, com os peixes passando na frente delas). Quem conhece Herzog, sabe de sua inventividade, de sua porfia em fazer cinema de autor, longe de influências (ele dizia que só lembrava de Griffith entre os cineasta de sua formação).
Um dos primeiros bons filmes exibidos por aqui este ano.
Cotação: ****(Muito Bom)
Registro
O cinéfilo Orlando Sérgio Campos retifica os anos de participação na lista de melhores dos leitores de Panorama: 15 anos. Desculpe Orlando e obrigada por ser um dos nossos amantes do cinema.
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