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quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010
GUERRA AO TERROR
Nos créditos de abertura do filme “Guerra ao Terror” (The Hurt Locker/EUA,2009) há uma frase atribuída ao correspondente de guerra (a do Iraque) Chris Hedges, do “The New York Times”: “A guerra é uma droga”. Por suposto, o roteiro de Mark Boal, outro correspondente de guerra, é uma contradição. Acompanhando o sargento William James (Jeremy Renner) no desmonte de bombas nas ruas de Bagdá, o que se percebe é um herói norte-americano desafiando o perigo como tantos outros de ficção, vindo de outra guerra, a do Afeganistão, também patrocinada pelo governo de sua terra (W. Bush). Substitui em Bagdá um colega morto no desmonte de um desses petardos dispostos em lixeiras pelos resistentes à queda do regime de Saddan Hussein (que afinal não tinha as propaladas bombas de alto poder destrutivo, apregoadas pelos “técnicos” do governo norte-americano). James é frio, desobedece a chefias (a ponto de tirar o fone dos ouvidos em hora perigosa, para fugir ao chamado do colega) e segue o trajeto bélico sempre motivado. Volta para casa, nem que seja por pouco tempo.
O filme é de baixo custo, lucrou pouco na estréia e, em países como o Brasil, foi guinado de imediato ao DVD. Ascendeu no mercado ao vencer alguns prêmios no Festival de Veneza, inclusive o de direitos humanos, além de 52 outros e 50 indicações internacionais. Hoje é candidato a 9 Oscar, acompanha as indicações de “Avatar”, curiosamente um filme realizado pelo ex-marido da diretora Kathryn Bigelow, o campeão de bilheteria James Cameron.
A direção é competente, a fotografia de Barry Acroyd usa bem a locação na linha semidocumental, e a edição de Chris Innis e Bob Murawski imprime um ritmo angustiante, seguindo de perto as missões ousadas dos soldados, deixando a platéia atenta (ou em suspense) quando eles se defrontam com o perigo (e isto é quase sempre). Mas há um fator primordial que a presteza da forma endossa: a glorificação do guerreiro, e por continuidade, da guerra. Muitos analistas acharam que o filme se dispôs a mostrar os especialistas em desmonte de bombas numa ação que em tese é perigosa. Mas não há um só momento critico que justifique isso. Nem mesmo quando um dos soldados é ferido na perna e embarca no helicóptero de sua unidade retornando para casa. Este personagem acusa com veemência o colega que os levou à missão. Mas apesar de gritar que “odeia o deserto” não chega a dizer que odeia “ser o que é” (ou o que fizeram dele). A guerra está por trás da aventura, e os homens e mulheres que vivem no cenário da guerra surgem como distantes observadores dos fatos ou mesmo à espreita dos criadores de armadilhas para explodir os invasores do seu país.
Poucos filmes refletem com tanta veemência o problema do relacionamento entre forma e conteúdo. Na forma, “Guerra ao Terror”, ou, na tradução do original, ”O Armário da Dor”, é formalmente impecável. Um tema supostamente masculino por ser visto como “uma história de homens” sendo dirigindo por uma mulher não deixa de surpreender algumas pessoas. Reflete competência de quem está por trás das câmeras, contudo, o ufanismo escapa livre na simpatia que evoca o valente James. Jeremy Renner, ator de “O Assassinato de Jesse James”, está muito bem, digno de alguns prêmios ganhos. Um momento critico que seja fica diluído na ação intensa em pouco mais de duas horas e certamente não tediosas. Mesmo que no final mostre-se algum contraste, como o herói no supermercado visto em ângulo aberto (médio plano) entre prateleiras cheias de caixas de cereais, indeciso no simples ato de decidir, ou quando conversa com o filho bebê, mencionando a perspectiva do mundo quando aquela criança chegar à idade adulta. Esses momentos não acusam uma hesitação do bravo guerreiro. Ele faz o que sabe fazer e se acha bom no que faz. Por continuidade, ele propaga a imagem do americano valente, o arquétipo do “mocinho” que o próprio cinema edificou em anos de filmes & gêneros.
Curioso, também, o fato de o trabalho de Kathryn Bigelow contrastar com o de seu ex-marido. Em “Avatar”, o militar norte-americano é o vilão que ataca sem piedade uma população indefesa e ingênua. O modelo do conquistador sanguinário. Em “Guerra ao Terror”, não se discute a presença do militar fazendo o “dever de casa” num país que ficou exposto à guerra por conta de idiossincrasias da política externa do país. Ele obedece as ordens recebidas e se acha cumprindo um dever por convicção profissional. Na métrica de aventuras em geral, a minoria deixa de ser a estrela para ser a coadjuvante. Um contraste que merece a consideração de quem se apega ao poder das imagens sem discernir o que elas traduzem.
Cotação; Bom (***)
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