quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

HITCHCOCK EM 2 TEMPOS – II

















Houve certa resistência do diretor inglês para adaptar-se ao sistema de Hollywood onde o produtor é o “dono do negócio”. Assistiu aos cortes de edição em “Rebeca” não aprovados de imediato. Teve de refazer seqüências. Ao ganhar o Oscar principal do ano, a estatueta foi entregue ao produtor enquanto o diretor, na platéia, assistia a cerimônia como um simples espectador. “Suspeita”(Suspicion/1941), premiou com o Oscar a atriz Joan Fontaine preterida por “Rebeca”.
Mas o próprio diretor saudou o cinema norte-americano pela qualidade técnica, ao dizer: “Não quero que o enredo subordine-se à técnica. Adapto a técnica ao enredo. Um belo ângulo de tomada pode criar um efeito que satisfaça ao operador-chefe e mesmo ao diretor. Mas a questão é saber se, dramaticamente, esse plano é melhor maneira de contar a história”.
De “Rebecca”(1940) em diante (em Hollywood), até o menos conhecido “Um casal do Barulho”(Mr.and Mrs. Smith), de 1941, já é possível encontrar a maioria de seus filmes em locadoras ou lojas especializadas em discos digitais.
É comum apostar em Hitchcock como a certeza de se ver uma intriga policial bem urdida, com certa crueldade temperada com demonstração de humor. Mesmo numa fase em que a bilheteria ficou reduzida motivando uma reação do estúdio, houve melhor renda com “Marnie, Confissões de uma Ladra”, “A Cortina Rasgada” e “Topazio” (1964-1969. Contudo, “Frenesi”, de 1970, recuperou o prestigio do mestre e coincidentemente marcou seu retorno à Inglaterra.
O cineasta François Truffaut, um dos fundadores do movimento “nouvelle vague”, escreveu um livro fundamental sobre Hitchcock, fez coletando entrevistas minuciosas realizadas com o cineasta já em vias de se aposentar. Nesse livro há a opinião básica sobre uma obra exponencial: a do próprio autor. E Hitchcock conseguiu ser um autor dentro do cinema industrial norte-americano, sabidamente o que é totalmente manipulado pelos centros produtores, com o diretor, via de regra, afastado até da edição final de um filme.
Há de se considerar também a obra Hitchcockeana para a televisão. Durante dois anos manteve o programa “Alfred Hitchcock Presents”, entre nós intitulado “Suspense”. Essa serie foi reexibida ano passado através do canal TCM, do grupo Turner. O próprio produtor (e às vezes também diretor) apresentava os pequenos filmes, sempre apelando para a sua veia de comedia. Muitos títulos valem pela forma com que Hitch se tornava mestre de cerimônias: mostrou-se dentro de um caixão, ou atrás das grades. Desses curtas, alguns ganharam destaque digno da obra do cineasta, como o que trata de um marido que planeja matar a esposa e cava um fosso no porão da casa, medindo o tamanho para que adentre o corpo dizendo que a cova é uma adega.
Os críticos observam que Hitchcock nunca se deixou escravizar pelo realismo. Quando lançou uma de suas obras-primas, “Pacto Sinistro” (Strangers on a Train/1951) comentaram que a policia jamais atiraria no bandido no interior de um carrossel cheio de crianças. Hitchcock respondeu que a fantasia ajuda na condução de uma história. O que dizer do papel da namorada de James Stewart (Grace Kelly) investigando o apartamento onde Raymund Burr matara uma mulher? Há muitas coincidências que a construção do filme releva. Aos críticos nesse tom cabe “O Terceiro Tiro” (Trouble With Harry/1956) onde há um cadáver, vários possíveis criminosos (ou pessoas que gostariam de matar o personagem) mas não se sabe quem é o assassino e nem mesmo se houve assassinato.
Mas uma característica do cineasta ficou evidente: sua figura marcando cada filme criado, como um pintor que assina seu quadro. A rigor isto só é observado após “Suspeita”(1941). Em situações absurdas ele é visto: “Um Barco e Nove Destinos (Lifeboat/1943) colocou uma foto sua em recorte de jornal. Seu último trabalho, “Trama Macabra”(1976), sua silhueta é vista num cemitério. Amargo pressagio: morre quatro anos depois deixando um raro legado de filmes que são reapresentados sem deixar a impressão da passagem do tempo.

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