quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

HITCHCOCK EM DOIS TEMPOS












O mercado brasileiro de DVD está lançando os primeiros filmes de Alfred Hitchcock (1899-1980), cineasta inglês que em carreira norte-americana conseguiu imprimir seu nome nas marquises dos cinemas à maneira de poucos colegas (como Frank Capra e John Ford) e ganhar a memória do público, mesmo em países de outros idiomas, como o nosso, onde normalmente seria difícil para quem não é muito ligado a cinema, lembrar um nome como o dele.
A divulgação mais regular dos filmes deste importante diretor levou-me a considerar a necessidade de rever a sua filmografia e as abordagens que fizeram dele um nome no cinema.
Hitchcock fez 23 filmes em Londres sendo 10 ainda na fase do cinema mudo. O primeiro, “The Pleasure Garden”(1925) ainda não foi lançado, mas já podem ser encontrados, nas locadoras, os seguintes títulos: “O Inquilino”(The Lodger/1926), “O Ringue”(The Ring/1927), “A Mulher do Fazendeiro”(The Farmer’s Wife/1928), “Champagne”(1928) e “O Ilhéu”(lançado como “Pobre Pete”/ 1929) dessa primeira fase, evidenciando o tempo em que o som nas salas escuras era da orquestra que ficava sob a tela acompanhando as imagens.
É interessante observar que nesses filmes não se encontram os elementos que celebrariam o cineasta. A exceção é “The Lodger”(no Brasil “O Inquilino”, sem relação com o filme de Roman Polanski de anos depois), também conhecido como “A Story of the London Fog”(Uma História do Nevoeiro Londrino). Nessa obra, o argumento explora a caça a um “serial killer” que prefere mulheres louras, facilmente identificado com Jack O Estripador, e que se hospeda numa casa onde a proprietária é loura. Com uma fotografia expressionista de Gaetano di Ventimiglia (assinando Baron Ventimiglia) e Hal Young (sem crédito) adapta, com Elliot Stannard, uma novela de Marie Belloc Lowndes. Impressiona pelo modo como a imagem sombria disserta sobre o comportamento do personagem, com economia de diálogos e ausência de texto explicativo.
O comum nos filmes da fase muda de Hithcock é evidenciar o melodrama. Em “Ringue” como em “O Ilhéu” esta característica é bem evidenciada na formação de um triangulo amoroso. Nesses casos, o final quer expressar que o amor está acima da ética, ou do comportamento padrão da sociedade do tempo. É assim que o personagem do “boxeur”(do primeiro filme) aceita a esposa infiel e o pescador (do segundo) se conforma com o abandono da mulher trocando-o pelo seu melhor amigo.
É vislumbrado um teor cômico nos primeiros trabalhos do diretor. “A Mulher do Fazendeiro” é uma comédia com toques rudes que ridiculariza o comportamento de mulheres de uma classe social. Há detalhes que chocam em termos de preconceito. Em “O Ringue” há também uma cena que focaliza um parque de diversões onde um negro serve de alvo para atiradores de doces.
Nos primeiros filmes falados, Hitchcock assumiria o interesse pelas histórias policiais. Conferir: “Chantagem e Confissão” (Blackmail/1929), “Assassinato”(Murder/1929), O Mistério no nº 17”(Number Seventeen), “O Homem que Sabia Demais” (The Man Who Knew Tôo Much/ 1934), “Os 39 Degraus”(The 39 Steps/1935), “O Agente Secreto”(The Secret Agent/1936), “O Marido Era o Culpado”(Sabotage/1936) e “A Dama Oculta”(The Lady Vanishes/1938). Esse painel interessou o produtor norte-americano David O. Selznich (de “...E O Vento Levou”) que chamou o cineasta para Hollywood afim de realizar “Rebeca, A Mulher Inesquecível”(Rebecca/1940) adaptação de um conhecido romance de Daphne du Maurier.
Houve certa resistência do diretor inglês para adaptar-se ao sistema de Hollywood onde o produtor é o “dono do negócio”. Assistiu aos cortes de edição nesse filme não aprovados de imediato. Teve de refazer seqüências. Ao ganhar o Oscar principal do ano, a estatueta foi entregue ao produtor enquanto o diretor, na platéia, assistia a cerimônia como um simples espectador.
O contrato com Selznick implicaria em pelo menos mais um trabalho. “Suspeita”(Suspicion/1941) premiou com o Oscar à atriz Joan Fontaine que havia sido preterida por “Rebeca”.
Mas o próprio diretor saudou o cinema norte-americano pela qualidade técnica, ao dizer: “Não quero que o enredo subordine-se à técnica. Adapto a técnica ao enredo. Um belo ângulo de tomada pode criar um efeito que satisfaça ao operador-chefe e mesmo ao diretor. Mas a questão é saber se, dramaticamente, esse plano é melhor maneira de contar a história”.
Volto ao assunto.

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