quarta-feira, 9 de junho de 2010

O PRÍNCIPE DA PÉRSIA




Mais uma vez o videogame inspira roteiros de cinema. Hoje o que é “pop” é “cool”, como dizem os norte-americanos consumidores desse tipo de entretenimento. “O Príncipe da Pérsia: As Areias do Tempo”(Prince of Pérsia: The Sands of the Time/EUA, 2010) nada mais é que um jogo jogado, ou seja, a amostragem de uma brincadeira que em sua origem é devidamente compartilhada e que passa a ser consumida individualmente. Por certo é um desafio. E se há alguma pessoa, ou algum grupo digno de elogios pelo trabalho cabe registrar os nomes dos editores (montadores) Mick Audsley, Michael Kahn e Martin Walsh. O que esse trio consegue com planos curtíssimos, jogando as cenas de forma a capacitar uma ação intensa, ou incitando o espectador com luzes e sons dispostos à maneira de um caleidoscópio, é realmente admirável.
O roteiro prima pela simplicidade, ou, para usar um adjetivo mais coerente, pelo simplismo. O Império Persa (situado onde hoje é o Irã) ataca a cidade sagrada de Alamut, lugar que abriga as “areias do tempo”, um meio de, através do areal contido num punhal ricamente moldado, reverter a ação para o passado. Os filhos do rei persa, um deles adotado (Dastan), chegam ao templo de Alamut onde está a princesa Tamina, logo desejada por pelo menos dois príncipes (incluindo, obviamente, Dastan). Os acontecimentos levam a corporificar um vilão e em manejar com as situações (um vai-e-vem das horas como se a história, guinada para a tragédia, fosse modulada para terminar bem) com o intuito de chegar ao beijo final que é marca registrada de Hollywood desde antes do som, nos filmes.
O diretor Mike Newell já realizou trabalhos elogiáveis como “Quatro Casamentos e um Funeral” e “O Sorriso de Mona Lisa”. É inglês de nascimento, mas se deu bem na grande indústria norte-americana. Aceitou a incumbência de criar um exemplar da série Harry Potter e pelo menos dois de Indiana Jones. Sua habilidade artesanal indiscutível está presente, mas, o novo filme, produzido por dois big-shot do cinema comercial – Jerry Bruckheimer e Walt Disney Productions – não esconde a sua origem (um brinquedo de criança ou adolescente). Se possui alguma vantagem é usar de uma linguagem coerente, ou seja, facilitar enredo e narrativa, tornando o espetáculo bem ingênuo, bem infantil, capaz de se associar (como os veteranos podem perceber) aos antigos blockbusters (o termo não existia, tratando-se apenas de bons programas para as matinais e vesperais) à maneira da série da Universal com veteranos atores da época. É possível lembrar “O Ladrão de Bagdá”, nas versões de Raoul Walsh (1924) com Douglas Fairbanks, e de 1940, dirigida por Michael Powell, Ludwig Berger e os irmãos Korda (Alexander e Zoltan, também produtores). Esta última versão, realizada na Inglaterra quando o país estava em guerra, tinha seu ponto alto na montagem e cenografia a cargo de William Cameron Menzies, diretor veterano. Uma prova de que na sala de montagem está a mágica que faz funcionar essas histórias de mil e uma noites.
“O Príncipe da Pérsia” é desse tipo de filme que a critica de um modo geral odeia. Não há o que impulsione a inteligência do espectador que vai ao cinema não só para se divertir, mas para engrandecer a sua cultura. É inegável, contudo, que a fórmula de Bruckheimer, tão bem adaptada ao arsenal Disney, funciona para certo tipo de platéia. O que surpreende é que o filme mereceu uma estréia de luxo nos EUA, com uma verdadeira festa de gente famosa em tapete vermelho, mas não alcançou o pódio da bilheteria nas suas duas primeiras semanas de exibições. Segundo o noticiário internacional, perdeu bilheteria para o novo Shrek e para o relativamente modesto “Sex and the City 2”. O que se deduz é que falta humor no show pseudo-oriental. A garotada prefere rir do ogro simpático e as mães e namoradas se ligam nas aventuras das 4 amigas nova-iorquinas. A lenda “As Mil e uma Noites” deve ter perdido o encanto e espaço para os games mais ousados pela trilha que evocam. Mais masculinos? Não tenho clareza, mas me preocupa a figura de Sherazade nos dias atuais a contar as histórias para o sultão tentando com isso escapar da morte. A mansidão do conto deu lugar ao furor do game.

Cotação: Razoável

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