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quinta-feira, 22 de julho de 2010
SOLARIS
Poucos filmes possuem a riqueza de informações e apelo poético do que “Solaris”(URSS/1972) de Andrei Tarkovsky. Na época de sua edição e estréia circulou a noticia de que ele seria uma resposta russa ao “200l, Uma Odisséia no Espaço” de Stanley Kubrick. Isto porque Tarkovsky não era bem conhecido internacionalmente, mesmo depois de ter realizado uma obra-prima, “Andrei Roublev”(1966), e ter iniciado carreira com um sensível e premiado em sua terra “A Infância de Ivã”.
Em “Solaris”, com roteiro advindo de uma história do polonês Stanislaw Lem, ele conseguiu um feito espantoso: realizou uma superprodução (com orçamento da URSS) e, ao mesmo tempo, um filme introspectivo. Opção não aceita pelo escritor, que chegou a dizer “Tarkovsky é um gênio, mas o seu filme não é o meu livro”.
Na verdade, Tarkovsky está entre os mais pessoais diretores de cinema. Com isso pode-se dizer que é um dos mais autênticos autores de uma arte que tende à indústria e ao comércio. Seu “Espelho” (Serkalo, 1974), por exemplo, é um trabalho muito pessoal, mais do que uma simples lembrança de infância, uma meditação sobre um tempo de vida.
Dessa forma se inscreve e pode-se ver a sua versão de “Solaris”. O filme trata de um planeta até então ignorado pela ciência terrestre, que astronautas em órbita percebem que o mar que envolve o astro tem a faculdade de reproduzir a memória dos que o vêem. O tipo que protagoniza o psiquiatra que é mandado para a estação orbital vê que a sua esposa, uma suicida, aparece no seu quarto aparentemente recuperando o corpo físico. Ela recorda de todo o seu drama e aparenta querer reconciliar-se com o marido. Mas este é aconselhado pelo colega presente a eliminá-la, pois se trata da materialização de uma lembrança. Assim, ela é dissolvida em oxigênio liquido, mas não demora a retornar. A idéia é de que Solaris coleta as informações dos cérebros de quem o observa e as devolve. Isto acontece até os cientistas enviarem para lá, as ondas de um eletro-encefalograma. Deixam, então de aparecer os seres lembrados, mas as lembranças ficam armazenadas no planeta. E no final, o astronauta-psiquiatra resolve morar lá, em meio aos momentos queridos de sua vida.
Tarkovsky reproduziu em “O Espelho” a chuva fina que caía quando ele, criança, voltava para casa. Uma mesma chuva cai por dentro da outra casa, em “Solaris”, onde mora seu velho pai. Só que ele vê a chuva caindo dentro e não fora da casa (de onde está observando o parente querido). O cenário evocado a partir da lembrança pode gerar distorções. Mas seria, ainda assim, mais confortante do que uma realidade construída por traumas.
O cineasta fixou em sua filmografia um quadro de suas idéias & sentimentos. Não à toa que em “Nostalgia”(1983) volte esse quadro e até mesmo se esboce em um de seus últimos trabalhos, “O Sacrifício” (Offret/1986). Este modo de fazer cinema foi a causa de seu desentendimento com Stanislaw Lem. Na obra literária de ficção-cientifica o lado pessoal do cientista estava em segundo plano. Interessava a qualidade do planeta em sugar a memória – não a “rebater” e muito menos deixar que o fato adentrasse por um drama pessoal. Desconheço a opinião de Lem, falecido em 2006, quanto à versão de sua obra feita pelo norte-americano Steven Soderbergh, em 2002.
Ele chegou a dizer que no filme russo o que escreveu se transformou numa espécie de “Crime e Castigo”, alusão ao livro de Dostoiewsky, com “desnecessárias alusões a relações familiares”.
O tempo fez justiça a Tarkovsky. Seu filme hoje é um clássico não só do gênero (science-fiction) como de todo o cinema. Certo que o ritmo é lento, que as tomadas se exaurem, inclusive nos movimentos de câmera (os longos travellings por dentro da nave), mas tudo tem razão de ser.
“Solaris” fará a sessão de 2ª. feira do Cine Clube Alexandrino Moreira (IAP/ Largo de Nazaré, próximo à Basílica). Quem ainda não assistiu e estuda cinema é filme obrigatório. E quem já viu só enriquece a sua cultura cinematográfica com uma revisão.
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