segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

SENNA



As cinebiografias geralmente ganham feitio de homenagens. Quando os roteiros dramatizam vidas de personalidades o comum é uma interpretação coletiva, ou melhor, o que se sabe dessas figuras em tom romântico. Busca-se, além de imagens de arquivo, elaborar uma rodada de depoimentos com figura que conheceram a pessoa em evidência. Os exemplos cabem em filmes de Hollywood como “Música e Lagrimas” sobre o compositor & dono de orquestra Glenn Miller. Aqui mesmo, no Brasil, dezenas de relatos cinematográficos sobre pessoas que marcaram determinadas épocas já foram editados e com relativo sucesso. Lembro “Memórias do Cárcere” sobre o escritor Graciliano Ramos e “Olga” sobre Olga Benário, companheira do político Carlos Prestes.

“Senna”(UK, 2010) é um documentário sobre o piloto brasileiro de Formula Um, Ayrton Senna. Realizado pelo cineasta inglês de descendência indiana Asif Kapadia, procura a posição um tanto original de não ser ufanista nem ser uma tele reportagem. Com material precioso, o diretor vai buscar imagens de Senna desde os seus 14 anos quando começou a realizar a sua paixão pelas corridas de carros. Há entrevistas curtas com familiares dele (e nesse ponto o filme é realmente inovador, pois, não repousa nas falas de quem conheceu o biografado) e logo passa a exibir trechos das corridas que o jovem Aytor participou ao longo dos anos.

Quem é aficcionado nesse tipo de esporte vai se satisfazer com a profusão de detalhes. Vai ver, por exemplo, como se deu a animosidade com o colega Alain Prost, como se definiu o presidente da FIA (Federação Internacional de Automobilismo), Jean-Marie Balestre, no caso, um conterrâneo amigo de Prost a ponto de não hesitar em prejudicar o rival do francês em pistas como a do campeonato no Japão (neste caso Senna ganhou e não levou a taça, ficando em segundo lugar, acusado de ter deixado a corrida, fato que se vê como inverdade). E vai ver como Senna reagia depois de cada competição, de como era religioso, até mesmo um tanto místico, e como se foi tornando triste, preocupado, quando começaram mudanças nos carros, especialmente no modelo da Williams que passou a dirigir, relatando-se a trágica competição na Itália de Imola, GP de San Marino, onde, no treino, foi ferido o brasileiro Rubens Barrichello e morto Roland Ratzenberger(competição que acabaria por tirar a vida, também, do próprio Ayrton, na curva do Tamburello).

Os enxertos de documentos de época que vão de cine-jornais a filmes domésticos da família Senna são preciosos para Kapadia construir o seu filme com muita imagem e pouca fala. É um tipo incomum de documentário. E pode-se dizer que chega perto de esgotar o assunto. Em mais de hora e meia de projeção deixa a imagem de um mito nacional, do rapaz que uma fã chega a dizer e se ouve no inicio do filme como “a única coisa que o Brasil tem de bom”.

Talvez o que falte seja um quadro do Brasil no tempo em que Senna reinou. Num plano de competição nacional vê-se rapidamente Itamar Franco. Mas não se diz que o país, saído de uma ditadura, passou a lutar contra uma hiperinflação e a eleger um presidente que foi retirado do posto pouco tempo depois de eleito (Collor). Nesse quadro de dramas, a necessidade de um herói era premente. E o piloto de Fórmula Um preenchia isso. Um quadro que teve como resposta um dos maiores e comoventes funerais vistos em S. Paulo. Com Senna corria a esperança de um Brasil melhor, e se houve pode-se colocar em pauta a frase de seu médico ao atendê-lo moribundo na pista de Imola: “-Eu não sou religiosos, mas senti que nessa hora a alma dele subiu”.Um filme a ser visto por todos. Muito Bom.


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