sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

AMOR POR CONTRATO




A idéia de Randyt Dinzler e roteiro do diretor de comerciais Derek Borte (é a sua estréia no texto e na direção de um longa-metragem comercial), “The Joneses”(Amor sob Contrato/EUA,2010) é, sobretudo, curiosa. Trata de um casal que não é casado, com filhos (rapaz e moça) que não são seus filhos, em mudança para uma casa que não é deles, e passa a vender não só a imagem “perfeitinha” de família tradicional, como produtos de mercado diversos em forma de objetos sonhados pela maioria da classe média norte-americana. Tudo é monitorado por uma empresa de publicidade. Na primeira seqüência, dentro de um carro a caminho de um novo lugar de moradia, Kate (Demi Moore) e Steve (David Duchovny) comentam que “vão arrasar na cidade”. Com eles seguem os outros “atores”: Jean (Amber Head) e Mick(Ben Hollingsworth).

A meta é seduzir a vizinhança. Começa na arte de fazer amigos, seguindo-se a levar esses amigos a admirar e gostar do mobiliário da casa, dos tacos de golfe utilizados com maestria por Steve, de eletrodomésticos que fazem parte da rotina dos novos e aparentemente felizes moradores, das comidas e bebidas servidas nos jantares, enfim, do que faça parte da vida de um casamento modelo para o padrão nacional (pode-se ampliar para ocidental).

Alfred de Musset(1810-1857) deixou uma frase emblemática: “On ne badine pas avec l”amour”(não se brinque com o amor). Cabe muito bem no filme. Com o passar do tempo, as características individuais vão ferindo as profissionais e os interpretes da comédia editada pelo consumismo tendem a expor brechas na sintonia familiar. O garotão Mick, por exemplo, revela-se gay; Jenn joga todo o seu charme para transar às escondidas com um homem casado, sendo descoberta pela esposa deste; e Steve, quebrando a regra de não namorar Kate, apaixona-se por ela, e expõe seu lado sentimental, ou pode-se dizer, humano, sobrepujando a fantasia comercial. Um vizinho, que o imita e quer reconquistar a esposa altamente consumista que só se sentia feliz se conseguisse alcançar o padrão familiar de seus novos amigos da casa ao lado, suicida-se ao saber-se falido a ponto de não conseguir pagar nem mesmo as prestações da casa onde mora.

O filme poderia ser um retrato tragicômico de uma classe social, abrangendo a fórmula que o mercado indica com a sedução aos objetos que operam como novas necessidades para obter a felicidade (e cabe o termo “obter”, pois, no raciocínio desse mercado a suposta felicidade “se compra mesmo”). Sente-se que no último momento faltou ímpeto ao diretor Borte para encerrar a farsa de forma mais condizente com a realidade, ou seja, trabalhar o tema para deixar a imagem real sobre a fantasia (ou um epílogo que excluisse a fórmula de conto de fadas).

Na sequencia final há uma saída na representação da “equipe de trabalho” ou conforme o conceito de mercado, na “unidade comercial” com base no pensamento de Musset. Segundo eles, o amor pode desmanchar castelos vistosos, mas inseguros.

A narrativa deixa de aproveitar certos momentos de valorização do tema. O interesse repousa mais nos diálogos e na química entre Duchovny e Moore, perdendo-se, entretanto, na relevancia dos papéis secundários, especialmente de Head e Hollynsworth. De qualquer forma, o humor cáustico chega à platéia com o “marketing invisível” trazendo o riso mesmo em momentos pouco hilários. E a gota de tragédia apresentada segue como um contraste a condenar o método de exploração da vaidade de tantos e da formação da idéia de que é possivel ser feliz com a aquisição de uma mobília, um vaso de cristal, uma bebida de última produção.

Pelo que se vê, mesmo de forma parcial da realização, dá para se depositar interesse na carreira do diretor-roteirista. Trabalhando numa produção independente que deve ter sido difícil de alocar recursos, ele consegue dizer o que imaginou. Talvez mais alguma coisa não ganhasse aprovação dos financiadores. Mas não se tenha o filme como uma fantasia comercial sobre outra. É dada certa consistência ao arquétipo de família-modelo imaginado. É uma espécie de corifeu a indicar caminhos por seus próprios princípios. Chamo atenção aos profissionais do mercado de marketing para esse filme como exemplar crítico às estratégias criadas de sedução comercial. Interessante.


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