quarta-feira, 9 de março de 2011

RANGO E A MEMÓRIA DO WESTERN






Surpreendente esta animação – “Rango”(EUA/2001) – que marca a estréia no gênero, da “Industrial Light & Magic”, empresa criada por George Lucas e especializada em efeitos especiais de filmes como a série “Star Wars”. Dirigido por Gore Verbinski (o mesmo diretor de “Piratas do Caribe”), segue uma história do próprio cineasta com roteiro de John Logan focalizando um camaleão que é guinado ao velho oeste norte-americano e sujeito aos perigos comuns aos caubóis do cinema acrescidos da falta de água no lugar, uma cidade moribunda no meio do deserto.

“Rango” faz um inventário do western. Os tipos comuns a esse gênero de filme estão em foco com a marcação burlesca que em si é uma critica aos estereótipos apresentados ao público por muitos anos. Além de evocar inúmeros filmes - desde “Matar ou Morrer”(High Noon) com a seqüência do relógio marcando meio-dia e o duelo entre bandido e mocinho no meio da rua empoeirada – cita “O Estranho sem Nome” com um tipo parecido com Clint Eastwood, informando ao camaleão como agir,na fase em que este se pensa derrotado pelas circunstências ambiente.


Mas não é só isso. O filme apresenta um vilão da linha dos empresários capitalistas de comédias já mostrados pelo diretor Frank Capra. Este tipo domina o povo humilde e sem recursos com a escassez de água (é, também, o dono do banco local e, em vez de dinheiro-papel comercializa o imprescindível liquido), esconde um aqueduto, vive em uma cadeira de rodas (como o Mr. Potter de “A Felicidade Não Se Compra”) e se vale como defensor, de uma serpente gigantesca (esta é o símbolo do mal e, em “Rango”, ela se mostra inferior ao vilão humano chegando a aceitar a vitória do bem). Tudo o que tem guarida na cultura norte-americana exposta pelo cinema pode ser encontrada no excelente roteiro.


Além da rica temática, onde é possivel ler mais elementos (como a caracteristica da população que vive no passado dos pioneiros a poucos quilômetros de uma rodovia moderna que leva à metrópole), o desenho ganha um aspecto plástico notadamente original. Além dos enquadramentos – que evidenciam o cenário ambiente diante das figuras que nele vivem (os grandes planos do camaleão em meio à réplica do Monumental Valley, sugerindo a pequenez do herói no cenário em que vai lutar) – há uma iluminação que indica o clima da narrativa. A exemplo, a hora em que Rango está sendo derrotado moralmente pelo arquiinimigo e a ação cobre o crepúsculo com acentuação do vermelho no céu (para surgirem, depois, estrelas e, ao amanhecer, o “clareamento” das idéias). O cuidado na construção é exposto praticamente em todos os planos. Flagrar botas em close como nos embates dos mocinhos e bandidos do faroeste, o animal atropelado por um carro que ressurge com a ajuda do camaleão (mostrando que as figuras amáveis de uma época lendária resistem às manhas do progresso) e o próprio mimetismo “camaleônico” que no caso serve para que o tipo se sinta à vontade na terra dos pistoleiros, nada disso é esquecido – e sim enriquecido. Explora-se até mesmo a “mocinha” decidida a enfrentar o banqueiro malvado desejoso de tomar as terras do pai dela, a lembrar o que foi exposto recentemente em “Bravura Indômita” e no aqui inédito, mas candidato a Oscar “Inverno da Alma”. Esta mocinha é quem vai assumir o posto de namorada do herói, sendo a protagonista de um beijo que vai decidir a situação para o lado dos explorados (e o banqueiro ganha uma ducha d’água como se fosse a demonstração de uma metáfora da vitória dos oprimidos sobre os opressores.

Francamente, “Rango” foi a grande surpresa deste inicio de ano. É uma animação tão rica quanto às últimas do estúdio PIXAR. Parabéns aos realizadores. E mais: não assisti ao filme em versão original. Apesar de a dublagem ser muito boa, aguardo a chance de ouvir John Depp na voz do Rango.

Vejam sem falta. Levem as crianças, pois há um farto aprendizado de cinema e de idéias novas e críticas sobre a ação de empresas, a expoliação urbana e os efeitos da urbanização.

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