Inspirado no livro ‘Vips – Histórias reais de um mentiroso’, da escritora Mariana Caltabiano que durante um ano manteve conversas com o golpista Marcelo Nascimento da Rocha, o filme “VIPS” (Brasil, 2010) tem roteiro de Bráulio Mantovani e Thiago Dottori e direção de Toniko Melo. A linha de condução do roteiro mostra o personagem desde criança, criado pela mãe cabelereira, imitador contumaz de seus colegas na escola e um apaixonado por aviação, com flagrantes de sintonia com o pai que é piloto. Já adulto, depois de aprender a pilotar roubando oportunidades e até mesmo uma aeronave de treinamento, assume a identidade de um filho do dono da empresa aérea Gol. Aproveita-se disso para se divertir no carnaval em Recife. É preso, mas a ele cabe como sentença mais do que a troca de identidade: foi acusado de trafico de drogas, pilotando um avião de figuras proeminentes dessa contravenção, uma situação anterior que ele havia assumido com pessoas de um cartél sul-americano.
A semelhança entre “Vips” e “Prenda-me se for capaz”(2002), filme de Steven Spielberg com Leonardo di Caprio, é flagrante. Apoiado em fato real, o personagem Frank Albagnale Jr. também é captado desde a infância, sendo mostrada a sua desilusão em ver a separação dos pais e a partir daí, perdendo-se em identidades variadas para fugir à verdadeira. Já adulto incorporou tipos como o de cirurgião, de piloto de carreira, acabando preso, mas, enfim, conseguindo emprego no FBI pelos ardis identitários que engendrou.
A comparação entre os dois filmes mostra a pobreza narrativa da produção brasileira. Não ao tipo, mas à realização cinematográfica. E a culpa cabe muito mais ao roteiro, escrito por um dos melhores profissionais desse ramo (Mantovani), responsável pelos textos de”Cidade de Deus”, “Ônibus 174”e “Tropa de Elite 1 e 2”. A redação não quer que o espectador se sensibilize com a carreira criminosa do personagem. Faz um distanciamento critico, mas com isso destrói o interesse pelo filme. Não adianta o diretor Toniko Melo trabalhar uma narrativa ágil e exigir de um ator de recursos como Wagner Moura (o Coronel Nacimento de “Tropa de Elite 1 e 2”). O uso de closes não qualifica a pretensão, mas aponta a TV como o meio mais eficaz de apresentar esses recursos. Deixa uma fimbria sutil e não aprofunda a tese de que o jovem assume outras identidades por um problema psicológico advindo da infância. Embora a primeira investidura como piloto convença (se passa pelo dono da empresa e assume o comando de um teco-teco para transportar tóxico), ao longo do filme se torna confusa a exposição de como o personagem se tornou um golpista de primeira, inclusive deixando em branco a facilidade com que transitou em várias áreas sem apresentar/falsificar documentos de identidade.
Se há um “flash back” sistemático de Marcelo em criança, jogando bola, para chegar à gênese do problema do garoto ambicioso que “quer ser igual ao pai”(um comandante de aeronave comercial), há muita pressa na exposição, um esforço insuficiente para compreender a gênese das ambiciosas trocas de personalidade.
E a adoração pelo pai, mostrado como uma figura ausente do lar, pela própria profissão - piloto de carreira – não se consubstancia nos dois momentos em que o jovem coloca a imagem desse ente querido a seu lado, reforçando a idéia de que é um meio de se apoiar quando a aventura caminha para o abismo.
O Marcelo de “VIPS” é superficial até mesmo com o empenho de um dos melhores interpretes brasileiros da atualidade - Wagner Moura. Uma pena, pois poderíamos mostrar um trapalhão nacional com o tirocínio de muitos patrícios nesse modo de ganhar “status” de qualquer maneira (a riqueza nessa fauna é demonstrada nas candidaturas dos políticos “ficha-sujas”). Como está, o trabalho de Toniko Melo é apenas um programa razoavelmente divertido com certo empenho de produção (o cineasta Fernando Meirellles, de “Cidade de Deus”, é um dos produtores). É possivel que o filme faça sucesso de público aproveitando esta fase em que o cinema nacional está emplacando bilheterias significativas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário