As primeiras tomadas de “Meia Noite em Paris” (Midnight in Paris, EUA, 2011) de Woody Allen, referem um tempo, uma estação, um estado d’alma de um jovem que ama a cidade-luz, ama ou supõe amar sua noiva com quem está preste a casar-se, mas se sente perdido em meio aos seus desejos, de ficar com esses dois amores e não saber como compartilhar seus ideais. E ao aproveitar um sentido metafórico de “viajar no tempo”, consegue esse convívio, pelo menos em instantes onde circula com seus “cicerones” por templos dedicados à cultura literária e artística de outro tempo, o dos anos vinte. Emocionado ao encontrar-se entre figuras sobre as quais tem informações tanto das obras que produzem como de inusitadas excentricidades pessoais, o escritor (Owen Wilson) visita lugares onde se acham personalidades da literatura, pintura e cinema como Ernst Hemminway, Zelda e F.Scott Fitzgerald, T.S. Elliot, Pablo Picasso, Gaugin, Toulouse Lautrec, Salvador Dali e até o cineasta Luis Buñuel.
Na cadência de uma trilha sonora de autoria de Cole Porter, revê seu interior refletido nesse tempo e prefere acompanhar outra jovem que como ele ama a chuva caindo na cidade, molhando o corpo, fazendo renascer quem quer ser um sonhador, criador, enfim, alguém que achou no sonho de ontem a liberdade de expressão e de viver.
Na cadência de uma trilha sonora de autoria de Cole Porter, revê seu interior refletido nesse tempo e prefere acompanhar outra jovem que como ele ama a chuva caindo na cidade, molhando o corpo, fazendo renascer quem quer ser um sonhador, criador, enfim, alguém que achou no sonho de ontem a liberdade de expressão e de viver.
Jean-Luc Godard deu uma versão diferente à sua cidade em “Duas ou Três Coisas Que Eu Sei Dela (2 ou 3 choses que je sais d'elle, 1967) considerado uma comédia dramática. Em 87 minutos ele refere duas personagens – Paris e Juliette Janson (Marina Vlady) e vai circulando e documentando o tempo que tantas mudanças trouxe à vida da metrópole e das pessoas. Esboça a “nova” Paris impactada com os acontecimentos mundiais. Trata do aqui e agora “dela”, da cidade que entrou no ranking das sociedades de consumo, de conflitos demonstrativos da luta das superpotências como a guerra do Vietnã e gravita em torno “dela”, de Juliette, uma dona de casa que circula entre os cuidados com a família e a prostituição, melhor meio de ganhar dinheiro e satisfazer seus desejos, para alguns, frivolidades, para ela, sonhos de sobrevivência.
Entre as duas versões, os caminhos do cinema se cruzam e nos dão um painel de tempos sociais e onde emoções e desejos revelam-se os construtores de identidades. Se Allen refletiu a Paris repleta de intelectuais norte-americanos, Godard deu vazão à sua maneira de ver o mundo despojado desses sonhos, mas demonstrando saber mais “dela” do que outros que se aventurem a amá-la. É a sua Paris sufocada pelos bombardeios de todos os matizes.
(Texto originalmente publicado na coluna de Marco Moreira, no domingo, 25/06. na revista TROPPO)
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