quinta-feira, 11 de agosto de 2011

O MÁGICO



Jacques Tati, o comediante-cineasta que imortalizou o tipo do cavalheiro desajeitado queusava chapéu de feltro, capa longa, guarda-chuva e um cachimbo, falando apenasao ser indagado para dizer seu nome – Hulot – faleceu em 1982, aos 75 anos, semrealizar tudo o que pretendia em termos de cinema. Aliás, Tati sofreu bastantequando seus filmes foram confiscados pela fonte credora por não ter conseguidopagar os custos de “Playtime - Vida Moderna” (1967), um sonho megalômano. Só nosúltimos anos de sua vida conseguiu rever seus trabalhos, mas ao se despedir como telefilme “Parada”, em 1974, deixavamuitas idéias nas gavetas. É dele o roteiro deste “Ilusionist” que a filhaSophie Tatlischeff negociou com o cineasta Sylvain Chomet para realizar este “OMágico” estreado em Belém no Cine Libero Luxardo.

O enredo reflete os sentimentos do autor. Um mágicosente a decadência. E não é só da criação de sua arte. A profissão doprestidigitador de teatro de variedades está desaparecendo. Vê-se, em umaseqüência, o tipo esperando, num teatro, que a platéia eufórica, aos gritos,deixe que se vá o conjunto de roqueiros disposto a monopolizar as atenções.Quando chega a sua vez, o artista deparacom uma senhora e uma criança na platéia. Compreende que ali não tem chance.Retira o seu cartaz da parede e ruma para Londres. No trem encontra uma senhorae uma criança e tenta brincar com a criança que, apesar da idade e do naturalespanto que possa ter diante dos truques, não se mostra interessada. Na Inglaterra,o meio também não é propíicio. Hospedando-se numa pensão barata torna-se amigoda camareira a quem ajuda e recebe alguma atenção. Mas o mercado para asmágicas torna-se cada vez pior. Noutra cidade, outro desastre. Acaba num bar,onde parece obter mais atenção. Mesmo assim não é o bastante e a ajuda que lhepresta um empresário dá-lhe chance em um teatro onde o próprio empresário équem estimula os aplausos de uma platéia minúscula.

O tipo que odesenhista (sim, o filme é uma animação realizada pelo criador do ótimo “AsBicicletas de Belleville”) elabora tem o perfil de Monsieur Hulot. Até naeconomia da voz. Sem chance profissional e no fim das contas sem a atenção dacamareira, que arranja namorado, ele vai seguindo um destino que mais pareceuma tentativa de viajar no tempo, de procurar o que no passado era julgado comodivertido, como original.

O filme époesia plena. Não há uma dinâmica que é comum nas animações de um modo geral.Mesmo em “Bicicleta de Belleville”. Aqui, Sylvain Chomet mostra a nostalgia deum passado que só ecoa no coração de quem viveu esse tempo. A grande mágica dopersonagem “tatiano” resta na sua postura em desafiar, sempre, os tropeçoscomerciais, a sobrevivência cada vez mais ciente de que é apenas isso: não háum número de mágica que tire novos coelhos do chapéu.

Amargo sim,mas um filme que fala ao coração. É umajusta homenagem a um artista como Tati, e esta homenagem se faz não apenas naconstrução do tipo principal da historia mas até em citações explicitas: há um momento em que o mágico entra numcinema que está exibindo “Meu Tio”(Mon Oncle) o clássico maior de Tati.

Em seus filmes, o tipo de Hulotnem chega a ter mocinha. Ou é um turista solitário (“As Férias do Sr,Hulot”/Les Vacances de M Hulot) ou um cunhado desastrado de um industrial (“MeuTio”) embora querido de seu sobrinho, ou um visitante de uma loja-modelo(Playtime), ou ainda um dirigente de trânsito(“Trafic”).Nunca um enamorado. E assim ele está em “L’Ilusionist” onde se esboça umromance que não se concretiza. Mesmo porque o filme não é sobre ganhos: é sobreperdas. Ganho, no caso, é para quem vai ao cinema. Uma obra-prima.


Um comentário:

  1. Um mágico que aos poucos vai perdendo o seu público e acaba por buscar na admiração da menina-camareira um resquício daquele gostinho de satisfação que ele estava começando a perder por essa profissão. Daí o mágico começa a fazer de tudo para manter a magia que ainda lhe resta viva. Mas é inevitável que toda a criança cresça e comece a perder o interesse pelos velhos truques do artista.
    É interessante como a história nos apresenta uma situação que vai influenciando na mudança da personagem no decorrer do filme. Realmente "O Mágico" é um filme muito bonito, uma animação com um tema bastante profundo e que, na minha opinião, merece ser apreciado.

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