sexta-feira, 14 de outubro de 2011

HOMENS DE DEUS


Com a saída dos franceses do território argelino, após a independência desse país em 1962, a República Argeliana Democrática e Popular viveu, posteriormente, uma verdadeira guerra que durou 8 anos. Consequentemente, os cristãos no território ficaram reduzidos a 1% da população, dos quais, 0,5% eram estrangeiros. Foi aprovado o Decreto 06-03 que restringiu os cultos não-islâmicos e os poucos cristãos que permaneceram no local passaram a ser perseguidos. Apesar de a legislação local tentar evitar medidas extremas contra as minorias religiosas, muitos incidentes contra sacerdotes católicos foram registrados e até dezembro de 2009, algumas igrejas foram incendiadas e seus pastores ameaçados ou assassinados. O caso da comunidade de monges trapistas situada numa provincia argelina, Thibirine, no Magreb, em 1996, onde os guerrilheiros muçulmanos obrigaram a saída dos 9 monges, tornando-os reféns contra o governo que havia detido extremistas, ganhou um texto de Etienne Comar que ele próprio produziu para o cinema escrevendo o roteiro junto com o diretor Xavier Beauvois. Esta é a genese do filme “Deuses e Homens”(Des Hommes et des Dieux/França,2010) ora em exibição em Belém (Cine Estação de hoje a 6ª Feira).

O filme é narrado de forma pausada, numa dimensão solene, alternando as sequências dos monges circulando em seu ambiente de trabalho quer nas feiras onde comercializvam os produtos que cultivavam no horto particular, quer no ambulatório onde o único médico, o monge Luc (Michael Lonsdale), atendia a população da vila. O filme registra esse cotidiano de atividades dos religiosos para o sustento do grupo, além de mostrá-los nas práticas litúrgicas na capela do mosteiro fazendo as suas orações. Não há música incidental. Ouve-se o ruido ambiente, os cânticos do grupo sem orquestração, e até mesmo as falas são bem econômicas. O silêncio agregado à rotina monástica só é quebrado pela ameaça dos guerrilheiros que a cada dia parecem dominar o ambiente. Ao socorrer um desses guerrilheiros os monges supoem-se salvos dos notórios inimigos. Mas esse líder não vive muito e logo as hordes que o substituem acham que esses adeptos do cristianismo podem servir de reféns para que o governo argelino liberte muitos prisioneiros de sua comuna.

Um elenco sem estrelas (exceto o citado Londsale e Lambert Wilson que protagoniza o líder dos religiosos cristãos, Christian) comporta-se admirávelmente sob a direção coesa de Beauvois. E se há uma hegemonia formal no projeto, mesmo assim salta uma sequência que por sua intensidade dramática se filia as mais expressivas do cinema moderno: em tempo de Natal, quando é iminente a invasão do monastério, a câmera capta os religiosos ao redor de uma mesa onde é servida a ceia e, sempre em close, faz um travelling de ponta a ponta desta mesa. Ouve-se a bela composição musical de Tchaikovski, “O Lago dos Cines”. Cada rosto exprime o drama desses heróicos resistentes apoiados na fé que sabem ser muito dificil escapar com vida da sanha assassina dos rebeldes muçulmanos. É um momento de reflexão na tela e de emoção na plateia. Este é um detalhe que já coloca “Deuses e Homens”(se não tivesse outros valores) entre os melhores filmes exibidos em Belém este ano.

Esse trabalho do cineasta francês foi vencedor de prêmios diversos onde se incluem dois em Cannes: o do juri e o ecumênico. Foi também um sério candidato ao Oscar deste ano, ganho por “Um Mundo Melhor”. A mim só merece restrição o final estendido. Espera-se que o encerramento se dê um plano antes quando são focalizadas as cruzes em referência à sepultura dos padres assassinado, cobertas de neve. Mas ainda há uma tomada que os mostra avançando na caminhada. Sem acrescentar algum detalhe de interesse.

Um filme excelente a ser visto no Cine Estação.

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