Lars von Triers, o cineasta dinamarquês criador do grupo Dogma 95 esperando revolucionar o “fazer cinema”no mundo dessa linguagem, é o responsável por mais uma obra tensa em meio ao vulgar com que a arte cinematográfica tem sido tratada em produções comerciais.“Melancholia” (EUA, 2011) é seu último filme e tem as marcas de uma visão de fim de mundo em que o universo agrega falas oficiais e marcadores sociais representativos do que pode vir a ser esse tempo de destruição. Como sempre no cinema de Triers, não é acomodado na tradição narrativa com este filme que ele apresentou em Cannes debaixo de protestos por seu discurso que desejava ser engraçado com apologia ao nazismo. Pelo menos a câmera está sempre na mão, mesmo em momentos que simulam planos fixos (médios ou abertos).
O roteiro é do próprio Von Trier. Um planeta encaminha-se para a Terra e apesar de alguns cientistas negarem a colisão ela vai acontecer. Mas não é a toa que o planeta se chama Melancholia e que um fim de mundo é observado, primeiro, no comportamento de algumas personagens. Neste caso não há semelhança como uma generalidade do tipo que Fellini usou em “A Doce Vida”, onde se vislumbrava criticamente a sociedade do final dos anos 50. Em “Melancholia” o autor registra em três tempos o comportamento de personagens bem delineadas: as irmãs Justine (Kristen Dunst) e Claire (Charlotte Gainsbourg). Os tempos são bem marcados: um prólogo, em imagens quase estanques de um unierso em expectaivas (ligeiros movimentos dentro do quadro sob os acordes de Wagner em “Tristão e Isolda”),um primeiro ato dedicado a Justine e o outro a Claire. As primeiras imagens serão melhor compreendidas mais adiante. Vê-se algumas gravuras clássicas uma jovem noiva, uma criança em um longo jardim, e sempre objetos (e aves) caindo. Quando chega ao episódio de Justine, o enfoque parte de uma festa de casamento. Observa-se o comportamento da principal personagem, uma noiva triste. A câmera“varre” o ambiente (sempre nas mãos de quem filma). Diversos tipos são apresentados, mas não há dificuldade em se notar que Justine, a noiva, não está feliz, e a sua tristeza ganha um território bizarro (para quem vê o filme) quando ela deixa o marido na alcova e faz sexo com convidado nas imediações da casa. O comportamento da jovem, o papel da irmã que se sabe sua companheira de sempre, e o do marido, aparentemente compreensivo, é descrito em diversas tomadas que entram e saem do salão da festa. Sempre vestida de noiva, deixa transparecer um detalhe: observa com assiduidade um ponto luminoso no céu, que ela acha ser uma estrela mas já sabe das noticias do planeta errante aproximando-se da Terra.
Quando a alusão é Claire, o papel de Justine já está delineado. Para ela o mundo “já acabou”. Sua insatisfação espelha-se num semblante formalmente doentio. É a irmã e o filho desta (o menor Leo/ Cameron Spurr) que passam a interessar. Claire preocupa-se com o fim do mundo. O marido Jack (Keifer Sutherland) é aficionado de astronomia, tem um pequeno telescópio, e com o filho faz um arco de arame que mede o planeta próximo, sabendo se este se aproxima ou não. Quando o arco é menor do que o diâmetro do astro, Jack desaparece, a esposa encontra-o morto na estrebaria onde estão os cavalos de estimação da família.
O pequeno Leo também teme a catástrofe sideral, mas confia na tia que o consola dizendo que eles todos vão se esconder numa gruta mágica (uma armação de galhos secos).
Todos os detalhes do grande desastre são apenas elos de um quadro anímico. Interessa nem tanto um mundo que se acaba, mas quem já se sentiu fora desse mundo. Justine chega a dizer isso em outras palavras. O desamor é o grande desastre, e é o que desliga o filme de um dos muitos exemplares de catástrofes. Um fim de mundo em dois tempos ou um mundo interior acabando na frente do exterior.
“Melancholia” está em exibição, a partir do dia 09/12, no Cine Estação das Docas.
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