Na
comparação que fiz ontem com o personagem de “Cidadão Kane” versus Edgar Hoover
não considerei um referencial entre o FBI e Xanadu. O “castelo” edificado pelo
magnata do filme de Orson Welles tem a ver com a significação sobre o “no
trespassing”, ou seja, ninguém conhece ninguém.
Reflexo de uma criação por
desvelo materno, acima da atenção dada aos demais familiares, o local de
trabalho de Edgar Hoover é a sede de uma ambição prometida (“meu filho você
será uma pessoa poderosa”). Aliás, o relacionamento mãe-filho é básico na
formação afetiva e profissional do personagem. Afetiva porque demonstrada ate
mesmo na desobediência que se pode ver, psicologicamente, como uma reação
natural do ego. Quando a mãe “ralha” por uma tendência não-viril do filho e diz
que “prefere estar morta a vê-lo preferindo homens” isto indica o caminho a
seguir de Edgar. Tanto que ele diz ao amigo-amado Clyde Tolson (Armie Hammer) do
assédio à atriz Dorothy Lamour “pois está na hora de casar e constituir
família”. E a formação profissional espelha na relutância por “mostrar serviço”
como o meio que passa a usar para se projetar e, com isso, fazer jus à predição
materna.
O roteiro de Dustin Lance Black não
reflete um processo esquemático como à primeira vista pode parecer, mas às opções
de um roteirista pelo que poderia recortar sobre a vida de um homem que
manteve, às raias da “perfeição”, a investigação policial norte-americana para
fins da defesa e da segurança nacional (o eixo justificador de qualquer
anomalia que pudesse subverter o caminho da ética). Despreza filigranas e tenta
sempre um retrato isento de retoques, de um tipo que é bom e mau, que organizou
um arquivo de digitais numa época em que computador era ficção - cientifica e,
de alguma forma, desvendou uma série de crimes, prendendo – ou mandando prender
– criminosos. Hoover desagradou mais do que agradou aos críticos de seu tempo.
No cinema, por exemplo, apesar de dizer que o senador Joe McCarthy, o
responsável pela chamada “caça às bruxas”, movimento no Congresso que atacou a
industria cinematográfica de forma sectária, prejudicando carreiras brilhantes
com a acusação de que se tratava de comunistas, era um “exibicionista”, ele
próprio foi radical contra quem achava estar “a serviço de Moscou”. E gabava-se
de ser o homem que prendeu ou matou facínoras como John Dillinger.
Os casos que o filme aponta
quanto a certas investigações secretas que fazia como a da primeira dama dos
EUA, Eleonor Roosevelt, ou do prorpio Nixon, ou dos Kennedy, tendem a ser as
peças a usar em tempo preciso pela sua conveniência pessoal, fato apontado no
roteiro. Não vazam para o público, mas são notificadas por Eastwood para
mostrar o caráter do Diretor do FBI. Entre conversas pessoais ele revela que
poderia dispor delas, como na visita que faz a Robert Kennedy para evidenciar o
que sabe sobre ele e o irmão presidente, ou em torno do comportamento de
Eleanor, ao contestar as assertivas do FBI sobre a prisão do suposto
seqüestrador e assassino do filho de Charles Lindenbergh. Neste caso, é de
supor que o todo-poderoso Hoover correia o perigo de adiantar detalhes de sua
própria opção sexual, fato já murmurado pela população (e proibido na sua época
áurea de mando).
A vida intima de Hoover não tem
muita ênfase, mostrando certos gestuais simbólicos em poucas seqüências. Mesmo
assim, há momentos que ressaltam o envolvimento entre ele e Tolson, através de
olhares, de proximidade e aceitação nas decisões, nos tradicionais almoços em
certo restaurante, e, principalmente, numa briga física entre os dois.
Sintomático do que era suposto entre os norte-americanos, sobre este se vestir
com roupas femininas é o momento em que se prepara para o velório da mãe, mas
antes com as próprias roupas desta se traveste.
Mas é o próprio Tolson quem
desmascara a farsa de Hoover, na decomposição que faz sobre os feitos do amigo.
Esse é um ponto importante do filme, pois J. Edgar fica de frente com as suas
verdades e mentiras.
Finalmente para quem estranhou a
ausência do filme nos Oscar fica a linha da Academia de Hollywood que
dificilmente absorveria tema tão delicado.
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