Afinal o que é o cinema? A arte
das imagens em movimento, mas, a partir daí, o estimulo aos sonhos, à fantasia.
Quando se pensa que o cinema espelha a realidade, e no caso há o “cinema
verité” que se fez nos anos 70 por Edgar Morin e Jean Rouch é preciso
reconhecer que esta arte conviveu, antes, sem rótulos, por quem imaginou uma
personalidade da câmera, ela atuando como atriz na concepção que se chamou de
“câmera olho”. Até aí o real passa pelo olhar de quem está dominando a objetiva,
ou seja, vê-se aquele olhar que está conduzidno a filmagem.
Quer dizer, a análise da narrativa tem que levar em conta que há subjetividade
nas imagens filmadas, haja vista o reconhecimento de alguém que está “por trás
da câmera”. As imagens não são ingênuas. (Quem estudar a teoria do filme vai
chegar a essas conclusões e/ ou aqueles que reconhecerem na linguagem
godardiana esse vértice da invenção).
Esse preâmbulo é para tratar da
mais recente dádiva de Martin Scorsese à cinemagia – “A Invenção de Hugo
Cabret” (Invention
of Hugo Cabret, EUA, 2011, 127 min. 3D). Ele se encontrou no livro “Hugo”, de Brian
Selznick, um descendente do famoso produtor David O. Selznick. Embora Scorcese não
tendo sido um menino como Hugo (Asa Butterfield), sempre foi um cinéfilo como
René Tabarg (Michael Stuhlbarg ), no filme, o personagem que descobre George
Méliès em sua casa, escondido da fama a que faz jus por ter sido um dos inventores
da linguagem cinematográfica.
A história acompanha o menino de
rua, órfão de pai, vagando pela estação ferroviária onde maneja os relógios e
busca peças para consertar um autômato deixado inacabado pelo pai. Este menino
vive fugindo do inspetor local (Sacha Baron Cohen) e conhece a garota Isabelle (Cholë
Grace Moretz), justamente a afilhada de George Méliès (Ben Kingsley). Através
dela toma contato com o velho cineasta que dirige uma banca de brinquedos e se
mantêm em casa, amargurado por sua arte não ter sido devidamente reconhecida.
A imagem da lua atingida por um
foguete e fazendo careta é o elo de ligação entre Hugo e George a partir de um
desenho do robô. Através de Isabelle ele vê que esta imagem é de um filme
antigo e na companhia de René vai levar a obra ao seu autor, uma das raras que
o pioneiro da Sétima Arte deixou preservar quando, na crise de depressão
destruiu quase toda a sua base de material filmográfico.
Realizado em 3D “A Invenção de
Hugo Cabret” refaz a Paris dos anos 1920 de forma a que o espectador se sinta
dentro do cenário. E a trama fora dos filmes mudos é muito semelhante com o que
esses filmes mostravam: do artesanato ao
tema que se pode achar “clichê”. Tudo é cinema-sonho, a culminar com a
homenagem a Méliès que, na verdade, jamais se deu. O criador de “Voyage dans la
lune”(1902) morreu pobre e esquecido. Só muito depois de sua morte, acontecida
em 1938, é que ele ganhou reconhecimento publico em documentários e coletâneas
de seus filmes curtos.
Na
sequencia inicial do filme onde um microcosmo é criado no pátio de uma estação
de trem de Paris com a circulação de pessoas, de vários tipos reconhecidos como
figuras essenciais numa cidade, vertebrados numa síntese social urbana vê-se a
chegada de um trem – uma analogia aos primeiros filmes dos irmãos Lumière. Ou
seja, ao nascimento do cinema que se compartilha com o percurso de Hugo, garoto
solitário, escondido da Lei para não ser levado para o orfanato, praticando
pequenos furtos para sobreviver, mas sempre na trilha de um sonho. Este convite
faz Scorcese ao público que vai assistir ao filme, desdobrado nas aventuras do
garoto, mas compartilhado com a do velho George que seduz Hugo pelos inventos à
venda em seu estande. Nesse turbilhão de sincronias com a história do cinema,
nada é perdido, tudo tem objetividade, mostrando a sobrevivência do próprio
cinema nas pegadas das desconfianças de que saisse do burburinho dos cafés e
das feiras para novas e sofisticadas engrenagens usando os truques como uma
invenção mágica fugindo da realidade dando cunho à fantasia.
Ao
seguir o garoto e as multiplas artimanhas para sobreviver naquele mundo de
descobertas e finalizar seu pequeno robô, a câmera nos leva aos primeiros anos
do cinema. Nos sonhos de Hugo podem ser capturados os pequenos filmes que saiam
dos estudios, as “vistas naturais”. A condição de ser um visionário e de
reconhecer que num dos desenhos situavam-se sensações, não dão explicações ao
garoto que precisava de um interlocutor. Só mais tarde é que os bloqueios se
desfazem ao acreditar em Tabarg, o pesquisador do “primeiro cinema” e descobrir
toda a trama encoberta à carreira de Meliès.
No trabalho de Scorsese uma
direção de arte primorosa deixa impresso o tempo da ação, e a fotografia
endossa essa imagem do passado. Nada se perde no filme. É um trabalho minucioso
que usa o cinema em toda a sua plenitude. Homenageando o mágico (foi agente do
famoso Houdini) criador de efeitos visuais, homenageia, naturalmente, esta
“fabrica de sonhos”(tratada de forma explicita) ao incorporar ao filme outro
truque, o do 3D.
Um excelente filme que surge
candidato a 11 Oscar. Dificilmente sairá da festa do próximo domingo sem ser
reconhecido.
Scorsese demonstra em A Invenção de Hugo Cabret todo o amor e paixão pelo cinema!!! Uma homenagem comovente, muito oportuna e digna de um grande cineasta!!
ResponderExcluirImpressiona o domínio sobre todas as cenas, ângulos e movimentação de câmera empregados. E ainda combinado ao uso maravilhoso do 3D, que ganha uma organicidade ímpar ao todo!!. O filme é tecnicamente impecável para mostrar os primórdios da Sétima Arte, dando créditos a quem teve o privilégio de ousar, apostar, iniciar (citando também os irmãos Lumière), desenvolver o cimema como arte e que muitas vezes, são esquecidos e são vítimas das imtempéries da vida cotidiana, longe da fantasia louvada pelo cinema!!!
Salta aos olhos o roteiro adaptado por John Logan. Preciso e praticamente uma aula de como contar bem uma excelente estória. Scorsese, claro, com um roteiro assim, não podia errar!! Faz um trabalho exemplar, digno de um cineasta que ama o cinema, um estudioso que valoriza os grandes iniciadores desta arte e os louva com respeito e admiração!!
Assim, com uma condução primorosa e técnica aceentuada, faltava apenas ótimas atuações para coroar esta homenagem. O grande Sir Ben Kingsley, faz de seu Georges Mèliés um homem fascinante e profundamente humano e comovente. Igualmente como o garoto Asa Butterfield, como um órfão esperançoso, curioso, persistente e cativante. Ambos são garantia de momentos muito tocantes para o filme. Chloe Moretz e Sacha Baron Cohen, em papéis bem diferentes aos que os tornaram conhecidos, completam o excelente elenco.
Com todos estes méritos, Hugo merece ser visto, revisto e premiado!! Não por ser o talvez o melhor entre os filmes candidatos a uma premiação, mas por enaltecer o amor ao cinema de uma forma sublime e por um autêntico cinéfilo!!
Obrigado, Martin Scorsese!!
Nota: 10
Olá Luzia! Aproveitando sua citação de Edgar Morin, compartilho com você meu comentário sobre o filme através do link: http://setimacritica.blogspot.com/2012/02/invencao-de-hugo-cabretum-truque-de-luz.html
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