Um dia
antes de assistir no cinema a “Millenium, Os Homens que Não Amavam as
Mulheres”(The Girl With the Dragon Tatoo/EUA,2011) revi, em DVD, a versão sueca
do primeiro volume da trilogia de Stieg Larsson. Basicamente é a investigação
que o jornalista Mikael Blomkvist faz, a pedido de um magnata idoso, em busca
de uma sobrinha, Harriet, desaparecida há quarenta anos. O jornalista submetera-se
a um processo judicial que o condenou por difamação, mas enquanto espera o
período de execução à sentença, aceita a tarefa sabendo de antemão que a
família da desaparecida tem uma longa história de dissenções devido a causas
ideológicas, de herança e de caráter. Suas reuniões em datas especiais não
representam o afeto entre eles, mas revelam tensões e conflitos recônditos.
Alguns se odeiam e mesmo morando próximos não trocam palavra. Velhos nazistas
estão lembrados em retratos espalhados pela casa, e os descendentes seguem
resquícios da ideologia ancestral.
No filme
sueco dirigido por Niels Arden Oplev, o enfoque prende-se à tarefa de Mikael e
à descoberta de Harriet. No filme norte-americano dirigido por David Fincher, a
trama vai mais além. Detalha negociatas que envolvem firmas e bancos, começando
pela corporação que a família investigada detém como herança com raízes
seculares. Nessa jornada que deverá descobrir as tramas das negociatas vindas
da Suécia, o jornalista inicia sozinho o desvendamento do mistério, aceitando o
trabalho não só pelos limites impostos à liberdade de sua profissão, portanto,
pelos recursos que irá receber se tiver êxito na empreitada, mas por ter sido
instigado a receber, também, um dossiê completo do seu acusador, podendo
reabrir o caso que o condenou. A necessidade de auxilio nas buscas a documentos
e provas leva-o a incluir uma jovem “punk”, Lisbeth Salander, que no filme
sueco é interpretada por Noomi Repace e, na versão de Fincher, por Rooney Mara,
candidata ao Oscar deste ano. Duas interpretações excelentes. Fico dividida
entre as duas, ambas incorporando um esforço fantástico no tipo “estranho”
interpretado. O percurso desta personagem, nos dois filmes, é tratado em
paralelo à trama principal, evidenciando a máscara do tipo negando-se a figurar
como a tradição manda às mulheres. Por isso, é mostrado todo o desenrolar de
sua submissão segundo ordens familiares, a um processo de tutela, e de que modo
se desvencilha desse domínio.
Os filmes
devassam espaços tradicionais de um país pouco explorado em intrigas do tipo.
Não conheço os livros originais, mas, pelos dois filmes, percebe-se,
especialmente, o papel das mulheres que se estigmatiza como rebelde e devassa,
acompanhando-a num processo de vingança e numa odisséia policial que a coloca
como investigadora igual ou melhor do que os especialistas no ramo.
Uma sequência
salta do conjunto nos dois filmes: quando Lisbeth (Noomi ou Rooney) responde ao
estupro sofrido e tortura o estuprador. Há necessidade de detalhar a cena
embora seja de extrema crueldade. Mas é nessa demonstração de violência que se
apega os filmes, não havendo diferença formal entre os dois. O que se pode
dizer de diferença, além do final que Fincher estica para tratar de outro
assunto, é que na versão americana há mais detalhes sobre o jornalista,
esmiuçando melhor o seu processo. Mas não resta dúvida que o ataque ao vilão é
típico de aventuras de ação comuns. Inclusive na presença de quem vai salvar o
mocinho na hora em que este é presa do bandido e está preste a ser executado.
São clichês que trabalham um tema de outra forma apresentado como uma denúncia
um tanto árdua de corrupção.Creio que “Millenium” é programa para todos os públicos. O subtítulo dado no Brasil é um tanto incoerente ao incluir a todos os homens da família focalizada como algozes das mulheres da familia. O próprio fato da investigação retomada 40 anos após um crime pelo patriarca da família demonstra que não há unanimidade em tipos e atitudes masculinas no caso.
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