sábado, 14 de abril de 2012

XINGU

Cena de "Xingu", com João Miguel, Felipe Camargo e Caio Blat.

Cao Hamburger, diretor paulista que muitos conhecem de pelo menos dois títulos – “O Castelo Ra Tim Bum”(1999) e “O Dia em que Meus Pais Saíram de Férias”(2006) – foi o realizador de “Xingu (Brasil, 2012). Trata dos irmãos Claudio, Leonardo e Orlando Villas Boas, rapazes da classe média paulistana que se engajaram na Expedição Roncador Xingu, em 1943, iniciando um trabalho inédito de preservação da cultura indígena, procurando agregar tribos em um espaço que seria a maior reserva nacional dedicada aos primitivos habitantes do país.
Levar ao cinema a odisséia dos Villas-Boas seria, de entrada, um trabalho árduo. Mas deslocar atores, técnicos e câmeras para os lugares mais próximos, ou similares aos espaços dos acontecimentos, resultaria em um esforço de produção pouco visto no cinema brasileiro. Hamburger contou com a empresa 02 Filme, de Fernando Meirelles e isso ajudou numa visão semidocumental a lembrar dos melhores exemplos do gênero no cinema estrangeiro.

Definindo o seu trabalho, especialmente na qualidade de tratar o assunto com a máxima liberdade, sem estereotipar os biografados disse o diretor:
“Foi uma condição que impus desde o começo, corroborada pelos produtores, de que a família Villas-Bôas não tivesse nenhuma interferência no projeto. A negociação sobre os direitos de filmagem foi nesse sentido. Eles não tiveram acesso ao roteiro e só assistiram ao filme duas semanas atrás. Era o único jeito de fazer, caso contrário viraria um filme de encomenda. Devo agradecer à família pela confiança em nós”.

E continuou afirmando que o roteiro, assinado por ele, baseou-se no diário dos irmãos Villas-Boas, nos arquivos da família e em muitas conversas com pessoas que colaboraram com os eles. “E também em conversas com os povos indígenas, porque, desde o começo, quis ouvir a versão deles (....) contada de pai para filho, de geração para geração. Foi a primeira vez que tive contato com uma sociedade de tradição oral. Fiquei impressionado com a precisão deles, as histórias que são contadas em uma aldeia é repetida na outra. Esse contato foi importante, porque os índios foram percebendo que poderiam confiar na gente, que não iríamos omitir qualquer coisa”.
No filme, há revelação de que uma índia foi engravidada por um dos irmãos sertanistas. A sequencia que ilustra esse fato é muito discreta, com um plano da índia andando pela mata e o branco atrás até as imagens desaparecerem em progressivo desfoque. O fato seria motivo para um conflito entre irmãos, e a expulsão do responsável pela quebra da ética a que tanto prezavam. O mais exigente é Orlando que também é visto como importante negociador institucional. O que leva a certa visão questionadora do irmão Claudio. Leonardo retorna para a cidade.

O enfoque passa por diversas épocas, evidenciando fatos como o drama acontecido no primeiro contato, quando uma gripe dizimou metade de uma tribo. A cada vez mais evidente presença do civilizado, com a construção do campo de pouso na selva e os diversos projetos levados por políticos, conscientizam os Villas Boas de que não é interessante incorporar a cultura indígena à civilização e sim preservá-la. Alguns momentos históricos são evidenciados, como a criação da estrada Transamazônica durante o governo militar, e o quanto se fez sofrer os povos indígenas pela transmissão de doenças trazidas pelos brancos, assim como os ataques de seringueiros e pecuaristas que desrespeitaram limites de terras demarcadas para constituir a nação indígena.
Muito ojetivo na narrativa, segue os avanços dos irmãos por caminhos desconhecidos, em áreas ignotas. Ressalta o espírito desbravador que os mantinha em meio inóspito, mas com a esperança de que poderiam conseguir sempre algo mais para assentar as tribos como os kreen Akarore e os Caiabi, e os indígenas que fugiam do trabalho escravo, em espaços onde pudessem sobreviver de sua lavoura sem o chicote do branco. Uma política onde a idologia pela preservação desses povos circulava nas conversas e nos silêncios dos irmãos, não sem certos conflitos, mas chegando a um denominador comum. O que mais marca o filme é, justamente, aquela perseverança de se manterem na luta por esse povo contra os empresários que se aproximavam deles com o fito de conseguir terras já tratadas.

Vi o filme como um semidocumentário e Cao Hamburger deixa nas entrelinhas que as políticas públicas arrancadas ao governo da época não foram sem grandes dificuldades de negociação. O espectador de hoje desloca essa perspectiva aos dias atuais quando outra área do Rio Xingu está sendo devastada para a implantação da usina de Belo Monte.
O filme é bem feito, importante e emociona. Foi aplaudido no ultimo Festival de Berlim.

3 comentários:

  1. Luzia, também vi dessa forma, como um semidocumentário sobre um período importante da nossa história, e como você bem colocou no final, espero que ajude a esclarecer sobre a usina de Belo Monte.

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  2. Olá, Luzia!
    Não sei o que houve: Xingu me pareceu um bom filme, bem intencionado, mas não me emocionou. Acho que vou rever.
    Abraço,
    R.Secco

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  3. Huummm... já sei! Ainda estou sob o efeito daquele magnifico, esplêndido, A Separação, um filme que precisava (realmente) ser feito. Bem didferente dos brazucas, que agora deram de ser "gringos". Mas quando se olham no espelho... cadê o "rosto"?
    R.Secco

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