Ricardo Darin e Huang
Sheng Huang em "Um Conto Chinês".
Um excelente filme que está em exibição no Cine Líbero Luxardo é este exemplar
argentino cujo enredo se apossa de uma situação inusitada, mas tratada com
esmero e com a profundidade de temas tão presentes nos dias atuais. As formas
de comunicação e o isolamento.
O argumento evidencia a figura de Roberto, um comerciante argentino,
colecionador de matérias publicadas em jornais que para ele representam o absurdo
da vida moderna. A razão disso está na solidão voluntária que ele assumiu
depois da morte dos pais e de um romance mal sucedido. Ex-combatente da Guerra
das Malvinas, o tipo mora nos fundos de sua loja especializada em miudezas como
pregos, cadeados e correntes. Ao ler uma das noticias de sua pilha de jornais
descobre um fato acontecido na China sobre a morte de uma jovem que passeava de
barco com o noivo e sobre eles cai do céu uma vaca. Por coincidência quem ouve
a leitura é o amado dessa jovem, o tímido Jun que após o acontecimento embarcou
para a Buenos Aires onde esperava encontrar um tio. Nas proximidades do
aeroporto Roberto encontrou Jun, na hora em que este era violentamente expulso
de um taxi. Apiedando-se do rapaz ele o conduz primeiro a uma parada de ônibus,
depois, percebendo que o chinês não teria condições de encontrar alguém, visto não
falar uma só palavra de espanhol, se apieda e trás o jovem para sua casa. E
como Roberto desconhecia o idioma mandarim, os dois passaram a conviver comunicando-se
através de gestos. A vida enclausurada do argentino expressa o desejo de se
livrar da nova companhia o mais breve possível. A necessidade de Jun pela
moradia é explorada pela subserviência aos trabalhos que o patrão exige que ele
faça. Mas a eficiência das tarefas também não combina com o que interessa ao
patrão. São contradições entre duas pessoas que demonstram necessidades
diferentes e interpretações distintas de relacionamento.
“Um Conto Chinês”(Um Cuento Chino/Argentina, Espanha, 2011) é um excelente
filme que reafirma o talento do ator Ricardo Darin e do cinema que se faz na sua
terra.
A primeira sequencia é dedicada ao fato básico da vida do jovem chinês.
Em plano médio observa-se o par, ele e a noiva, numa pequena embarcação, parada
no meio de um rio. Eles conversam, mas o diálogo não é traduzido nas legendas.
No momento em que ele procura a aliança comprada para selar o seu compromisso
com a garota, a câmera desloca-se para uma vaca roubada, jogada fora de um
avião danificado que precisa aliviar seu peso. Depois da queda do animal, a
imagem seguinte é da loja do argentino em plano aberto e, em seguida, de
detalhes que evidenciem de quem se trata. Ou seja, criando-lhe uma identidade
marcada pelo excêntrico.
O filme é o terceiro longa do diretor e roteirista Sebastian
Borensztein. Numa linguagem clara de veterano ele consegue dimensionar seus
personagens e sabe que isso é o que importa na condução de sua história (que
diz ter base real). O que se apresenta é a incomunicabilidade verbal e como ela
pode ser superada tendo-se boa vontade e afeto. Os dois atores deixam a imagem
de solitários por circunstâncias que demonstram a necessidade da aproximação e
que precisam um do outro mesmo que possa parecer o contrário. Roberto,
especialmente, ganha um novo sentido de vida com a companhia aparentemente
nefasta do novo hospede. E isso se consubstancia no modo como vai atender a
amiga de juventude, Mari, que chega do exterior e o procura. Ela é apaixonada
pelo velho amigo, mas sabe que é difícil quebrar a sua rotina de solitário
empedernido. Aproximando-se de Jun ela vai abrir caminho para uma relação que o
final do filme deixa viável.
Darin tem no excêntrico tipo vivido como Roberto um de seus melhores
papéis. O intérprete de Jun, Ignacio Huang, já tinha 6 títulos no currículo mas
é como o imigrante chinês que chegou a ser candidato a prêmios na Argentina. E
Muriel Santana, a Mari, apresenta maior experiência em produções de TV. Esse
trio dá conta de um filme sincero que emociona a todos no modo claro como trata
seu tema. O filme está no Cine Libero Luxardo até domingo, no horário regular dessa
sala (19h30).
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