sexta-feira, 26 de outubro de 2012

FAUSTO E SOKUROV


 
Cena de "Faust", de Alexander Sokurov
O Dr. Johann Wolgang von Goethe (1749-1832), escritor alemão e também cientista, liderou a literatura romântica européia, no final do século XVIII e inicio do XIX. Sua obra traduz-se entre romances, peças de teatro, poemas, autobiografias, teoria da arte, literatura e ciências naturais. Muito se escreveu sobre sua figura e sua produção literária, mas o que o imortalizou foi o poema “Faust”. Essa obra partiu da lenda de Fausto que seria o Dr. Johannes Georg Faust (1480-1540), misto de médico, alquimista e mágico, inspirador de contos populares e da obra do escritor Christopher Marlowe em “A Trágica História do Doutor Fausto”(1604). Nas histórias que circulavam dizia-se que esse personagem teria vendido a alma ao demônio (Mefistofeles, que quer dizer “Sem Luz”). Isso era visto como parte de possiveis blasfemias que irritaram os membros da igreja, na época, projetando essa obra de Goethe como símbolo do mal.
A criação de “Faust”, ocupou a vida de Goethe, com o primeiro esboço surgindo em 1775 (mais conhecido como Proto-Fausto ou Urfaust), seguindo-se a “Faust, ein Fragment” (Fausto, um fragmento), em 1791, não publicado, com a versão definitiva escrita e publicada em 1808, intitulada “Faust, eine Tragödie – “Fausto, uma tragédia”.

O cinema teria sido a última arte a alcançar o “Fausto” goetheano. O filme de F.W. Murnau, “Fausto (Faust – Eine Deutsche Volkssage, 1926) insere-se entre os mais importantes do movimento expressionista europeu. Esse diretor alemão jogou a lenda como se contou por gerações, evidenciando, no claro e escuro, na cenografia e no enquadramento, a magia e o horror. Foi o começo de uma exploração direta e indireta do mago maldito. Exemplo do enfoque indireto, “O Retrato de Doran Gray”, de Oscar Wilde (1890), onde a perenidade da beleza de um hedonista seria “negociada” com o demônio através de um quadro onde a velhice abominada pelo personagem seria registrada em troca de sua eterna juventude.

O filme de Alexandr Sokurov, “Faust”(Russia/Alemanha, 2010), difere das demais versões, pois, capta a obra de Goethe lançando um olhar acurado sob o ponto e vista imagético da Idade Média, discutindo o mito a partir da exposição do terror imposto pela religiosidade dominadora na Alemanha do período.

A narrativa inicia com uma cena de dissecção de cadáver onde o doutor Fausto está preocupado não apenas em conhecer a constituição fisica do organismo humano, seguindo por aí a tarefa dos anatomistas de um tempo, mas identificar o processo de “onde se acha a alma e a vida”. E na busca pelas condições vitais humanas, o doutor começa uma caminhada pelo cenário de seu tempo, ao lado de um fauno, e em seguida, de um “espirito das trevas”, que lhe propõe um pacto com o diabo para ganhar não só conhecimento e tempo de vida como o amor de uma jovem que ele encontra e por quem logo se apaixona: Margarida(Margaret).

Sokurov investe no aspecto plástico, contando com a fotografia de Bruno Delbonnel que usa o tom pastel, lembrando o sépia, para dinensionar o espaço seguido pelos personagens ao longo da caminhada que a principio é uma busca cientifica, depois, uma fuga, quando Fausto, inadvertidamente, mata um homem. Delbonnel não chega a se utilizar do recurso expressionista de Murnau mas assume a forma de um pesadelo através dos tons nada agradáveis e do uso de lentes que deformam as imagens sem que a pontuação force uma idéia de que só em determinados momentos os tipos estão caminhando por uma concepção de inferno.

Este novo “Fausto” deve ser visto e entendido na sua abrangência pictórica, histórica (o quadro de uma época) e dramática (o que se passa no intimo do principal personagem). A direção de arte constrói vielas, casas rusticas, um aceno ao “caligarismo” ou a gênese do expressionismo no cinema. Seria um pesadelo que muitos cineastas tentaram recriar através dos tempos e eu lembro o recente “Dr. Parnassus”(2009) de Terry Gilliam.

Poucos filmes são tão ricos em todos os sentidos de observação. A narrativa do diretor prossegue avessa ao ritmo do cinema comercial, especialmente de Hollywood. E o novo Fausto também dista longe do que fez Claude Autant-Lara em “O Homem que Vendeu a Alma” (Margueritte de la nuit/1955). É uma visão nova e inquietante de um velho, mas sempre inquietante tema. Imperdível!


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