quinta-feira, 8 de novembro de 2012

O DEUS DA CARNIFICINA


Quatro grandes intérpretes em um filme imperdível! 

Segundo Alan (Christophe Waltz), o deus da carnificina – que segundo a mitologia está sempre acompanhado de Deimos, o terror, e de Phobos, o medo – aparece junto com os deuses da discórdia ou da guerra para arrasar/desestabilizar o que está no caminho. Dessa forma, assegura-se como vai terminar a visita que o casal Alan e Nancy Cowan (Kate Winslet e Waltz) faz a Penélope e Mark Longstreet (Jodie Foster e John C. Reilly) depois que o filho do primeiro atingiu o filho do segundo casal, com um objeto que o feriu na face machucando o maxilar, numa discussão pós-aula em campo aberto.

O mito que personifica (ou deifica) a violência é a base da peça teatral de Yasmina Reza que Roman Polanski filmou ano passado sem esconder a sua origem dos palcos. “O Deus da Carnificina”(Carnage/UK, França, 2011) é uma experiência de cinema usando outra modalidade artística – o teatro – atingindo o grau a que William Wyler conseguiu chegar na realização de “Chaga de Fogo”(Dectetive Story/EUA, 1951) este extraído de uma peça de Sidney Kingsley, pelos roteiristas Philipp Yordan e Robert Wyler.

A dificuldade de o cinema em sua essência atingir sua narrativa com a câmera permanecendo em um aposento, limitando o elenco em 4 atores, paira na mobilidade e graduação dessa (ou dessas câmeras, posto que mais de uma) e do talento dos intérpretes. Roman Polanski escolheu um naipe de grande qualidade para essa sessão performática que deu conta do recado. E a sequência que determina a visita dos pais do garoto agressor ao casal que teve o filho agredido vai, gradativamente, da cordialidade que deve presidir um encontro social à brutalidade que surge quando os instintos são liberados e a hipocrisia afunda na sinceridade, estremecendo a afabilidade formalizada em gestos e palavras.

O filme inicia com um grande plano dos meninos no campo, justamente na hora da agressão. Começa e termina aí. E são as únicas cenas de fora das quatro paredes do apartamento dos pais do menino agredido. O corte, leva à chegada de Alan e Nancy, bem recebidos e até convidados para um drinque na hora em que já estavam de saída. As falas cordiais começam a mudar quando Mark afirma ter colocado para fora de casa um hamster (da família dos roedores), bichinho de estimação da filha. Nem a esposa sabia disso. Nancy revela-se de imediato protetora dos animais e repele a atitude do dono da casa com veemência. Ele não se desculpa e a esposa não se diz magoada com a surpresa de sua atitude. Começam as palavras ofensivas. Busca-se o que possa ferir cada um e em dado momento Nancy diz que “meu filho fez bem em largar a porrada no seu”. E num impulso de raiva atira as flores de um jarro que a dona do apartamento usa como enfeite em uma mesa.

A força dos diálogos consegue prender a atenção do espectador. Mas o esforço maior de Polanski é dar agilidade às tomadas, procurando os mais instigantes ângulos e usando uma iluminação que dá força às tonalidades, o que coloca, então, a cor, dentro da ação como um elemento de linguagem que inexiste no teatro.

A ideia é de que o filme foi realizado num só dia e milhares de imagens capturadas (hoje, a película pode ser substituída pela imagem digital) na corrida pelo melhor enquadramento (ora planos médios, ora closes, poucos planos-conjuntos e um único grande plano importantíssimo porque é o detonador das demais sequências). No teatro, o público veria a ação num só ângulo, sem observar as feições dos interpretes em detalhes, salvo a fala ríspida e o gestual agressivo que aos poucos está sendo vetor da situação. No cinema pode-se ver, por exemplo, Jodie Foster franzir a testa a ponto de realçar seus vasos sanguíneos. Mas essas conquistas específicas da cinematografia passam de forma a que o espectador não as perceba. Interessa dimensionar a ação. E isto é conseguido no brilhante “tour de force”. Um desafio de 80 minutos a ser visto sem falta. Filme Imperdível.

 

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