Segundo Alan (Christophe Waltz),
o deus da carnificina – que segundo a mitologia está sempre acompanhado de
Deimos, o terror, e de Phobos, o medo – aparece junto com os deuses da
discórdia ou da guerra para arrasar/desestabilizar o que está no caminho. Dessa
forma, assegura-se como vai terminar a visita que o casal Alan e Nancy Cowan
(Kate Winslet e Waltz) faz a Penélope e Mark Longstreet (Jodie Foster e John C.
Reilly) depois que o filho do primeiro atingiu o filho do segundo casal, com um
objeto que o feriu na face machucando o maxilar, numa discussão pós-aula em
campo aberto.
O mito que personifica (ou
deifica) a violência é a base da peça teatral de Yasmina Reza que Roman
Polanski filmou ano passado sem esconder a sua origem dos palcos. “O Deus da
Carnificina”(Carnage/UK, França, 2011) é uma experiência de cinema usando outra
modalidade artística – o teatro – atingindo o grau a que William Wyler conseguiu
chegar na realização de “Chaga de Fogo”(Dectetive Story/EUA, 1951) este
extraído de uma peça de Sidney Kingsley, pelos roteiristas Philipp Yordan e
Robert Wyler.
A dificuldade de o cinema em sua
essência atingir sua narrativa com a câmera permanecendo em um aposento,
limitando o elenco em 4 atores, paira na mobilidade e graduação dessa (ou
dessas câmeras, posto que mais de uma) e do talento dos intérpretes. Roman Polanski
escolheu um naipe de grande qualidade para essa sessão performática que deu conta
do recado. E a sequência que determina a visita dos pais do garoto agressor ao
casal que teve o filho agredido vai, gradativamente, da cordialidade que deve
presidir um encontro social à brutalidade que surge quando os instintos são
liberados e a hipocrisia afunda na sinceridade, estremecendo a afabilidade
formalizada em gestos e palavras.
O filme inicia com um grande plano
dos meninos no campo, justamente na hora da agressão. Começa e termina aí. E
são as únicas cenas de fora das quatro paredes do apartamento dos pais do
menino agredido. O corte, leva à chegada de Alan e Nancy, bem recebidos e até
convidados para um drinque na hora em que já estavam de saída. As falas
cordiais começam a mudar quando Mark afirma ter colocado para fora de casa um hamster (da família dos roedores), bichinho
de estimação da filha. Nem a esposa sabia disso. Nancy revela-se de imediato
protetora dos animais e repele a atitude do dono da casa com veemência. Ele não
se desculpa e a esposa não se diz magoada com a surpresa de sua atitude.
Começam as palavras ofensivas. Busca-se o que possa ferir cada um e em dado
momento Nancy diz que “meu filho fez bem em largar a porrada no seu”. E num
impulso de raiva atira as flores de um jarro que a dona do apartamento usa como
enfeite em uma mesa.
A força dos diálogos consegue
prender a atenção do espectador. Mas o esforço maior de Polanski é dar
agilidade às tomadas, procurando os mais instigantes ângulos e usando uma
iluminação que dá força às tonalidades, o que coloca, então, a cor, dentro da
ação como um elemento de linguagem que inexiste no teatro.
A ideia é de que o filme foi realizado
num só dia e milhares de imagens capturadas (hoje, a película pode ser
substituída pela imagem digital) na corrida pelo melhor enquadramento (ora planos
médios, ora closes, poucos planos-conjuntos e um único grande plano
importantíssimo porque é o detonador das demais sequências). No teatro, o
público veria a ação num só ângulo, sem observar as feições dos interpretes em
detalhes, salvo a fala ríspida e o gestual agressivo que aos poucos está sendo
vetor da situação. No cinema pode-se ver, por exemplo, Jodie Foster franzir a
testa a ponto de realçar seus vasos sanguíneos. Mas essas conquistas específicas
da cinematografia passam de forma a que o espectador não as perceba. Interessa
dimensionar a ação. E isto é conseguido no brilhante “tour de force”. Um
desafio de 80 minutos a ser visto sem falta. Filme Imperdível.
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