O romance do escritor espanhol Yann Martel, “A
Vida de Pi” (The Life of Pi), tornou-se best seller vendendo mais de
1.5 milhões de exemplares. Foi cogitado por alguns diretores de cinema como M.
Night Shyamalan, Alfonso Cuaróne Jean-Pierre Jeunet, mas foi o taiwanes Ang Lee
quem decidiu pela realização do filme. Nesta obra ele traduziu em imagens
belissimas e discussão filosófica a saga de Piscine Molitor Patel ou Pi, um
garoto indiano, filho de um pai cético , critico da preocupação religiosa do
filho, dono de um zoológico que embarca com a família e os animaisnum navio cargueiro, rumo ao Canadá, afim de escapar
da crise política da Índia, nos anos 70. A odisséia familiar alcança-os em
meio ao oceano Pacífico visto que o cargueiro japonês naufraga e o garoto se vê
sozinho num bote salva-vidas com quatro animais: uma zebra, uma hiena, um
orangotango e Richard Parker, um tigre de Bengala. Durante um longo período o
garoto tem que conviver com o animal feroz que é remanescente dentre os outros
(transformados em alimento) e procurar manter-se vivo com água potável,
refrigerante e biscoitos encontrados no barco. Toda a historia é narrada para
um escritor (pode ser o autor do livro original, Yann Martel), pelo jovem já
adulto, mas ele apresenta, também, uma segunda versão dessa aventura aos
diretores da empresa de seguros japonesa que não acreditaram na história
fantástica do náufrago. Eles queriam uma “história real” e não fantasiosa como
supunham a versão contada.
O filme dirigido por Ang Lee pode ser visto de diversas formas. Não é
apenas uma aventura difícil de acreditar, mas um poema épico que preserva a
origem indiana abrangendo a amizade, a fé, a capacidade de resistência física e
intelectual com a esperança sendo um dos focos da luta pela sobrevivência de
Pi. Tanto que há um tempo gradual no enfoque narrativo mostrando a maneira do
garoto reconhecer os meios de dominar, pelo treinamento, o tigre de Bengala.
A narrativa dessa aventura de Pi Patel (Suraí
Sharma) para um estrangeiro deflagra as minúcias do enfrentamento com as forças
da natureza. Conta ainda o quanto sofreu com o nome, especialmente o diminutivo
que na escola era ligado a pipi (xixi para nós). Cita uma quase namorada, mas
se detêm na busca pela divindade. Primeiro é um católico fervoroso e ouve de um
padre respostas às suas mais prementes duvidas (Por que Deus deixou que
matassem seu filho? Por que este amor pela humanidade?). Não satisfeito, busca
respostas no islamismo, e ainda assim vive indagando sobre o papel da divindade
na vida das pessoas (dele próprio).
Em “Hulk”, o diretor taiwanês já tinha trabalhado com os efeitos
digitais. Mas desta vez é uma tarefa desafiadora, começando com o tigre (que na
verdade é produção de computadores). As tempestades em alto mar podem parecer
exageradas, mas nada no filme assume um rigor realista. O/a espectador/a pode
indagar por que não cresce a barba no jovem náufrago se o pai usa barba e ele
possui cabelos nas axilas. Também pode indagar pelo modo como se porta ao
chegar a uma ilha deserta, como consegue se manter vestido (mesmo em molambos)
e como se alimenta quando diz que naquele lugar há muito veneno. Enfim, a
história do naufrágio pode passar como uma metáfora, mas a outra historia
narrada, colocando personagens conflituosas, também não parece muito crível. Em
dado momento Pi indaga a seu biografo qual das histórias ele quer escolher. O
escritor prefere a do tigre. E nesta se encontra o halo poético, culminando com
o olhar da fera exausta, depois de chegar à ilha referida, quando parece
abandonar seu companheiro de viagem e se enfronhar na mata próxima. Ali está o
inimigo que se tornou amigo, a base cultural de uma lenda de heroísmo própria
do acervo cultural da terra do personagem.
“As Aventuras de Pi” foi realizado em 3D com algum
resultado bom. Infelizmente assisti em uma projeção não muito boa devido à
baixa voltagem da lâmpada do projetor digital. Não importa. Trata-se de um dos
bons trabalhos de um bom diretor. Talvez o último bom filme do ano de 2012.
Recomendo.
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