Daniel Day Lewis em "Lincoln".
Lamar Trotti (1900-1952)
roteirista de cerca de 60 filmes e 3 vezes premiado foi quem escreveu o roteiro
do mais interessante filme sobre Abraham Lincoln, o presidente norte-americano
mais cultuado ate agora: “A Juventude de Lincoln”(Young Mr Lincoln/1939)
dirigido por John Ford. Mas antes deste filme e depois dele muitos mais
focalizaram o personagem histórico. Agora é a vez de Steven Spielberg em “Lincoln”(EUA,
2012), tendo como base o livro biográfico escrito por Doris Kearns Goodwin,
através de um bem estruturado roteiro de Tony Kushner. Doris, PHD em Ciência
Política pela Harvard University, autora de outros livros sobre presidentes
norte-americanos, é casada com um diplomata, Richard Goodwin, considerado muito
influente na deposição do presidente brasileiro João Goulart, em 1964.
O filme de Spielberg prende-se
ao debate sobre a emenda constitucional que daria liberdade aos escravos, a
aprovação da 13ª Emenda. Nessa época estava em processo a guerra civil, mais conhecida
como Guerra de Secessão (1861-1865), com o sul do país pugnando pela manutenção
de seu status agrícola, e totalmente contra a emenda de Lincoln, posto que
avaliava imprescindível a mão de obra escrava (leia-se negra) para a plantação
e colheita do algodão, sua base econômica.
Segundo a narrativa do filme, que
não dá concessões ao espetáculo (o comum em filmes de Spielberg), a política de
Lincoln, recém-reeleito à presidência dos EEUU, não se prendia a favores aos
denominados confederados (o sul havia criado uma Confederação para lutar contra
o norte), tanto que não aceitou a imediata rendição das tropas sulistas em
troca da retirada da emenda em plenário (isto depois de ela já estar dependendo
dos deputados, com aprovação do senado – ou Upper House). O presidente queria
ver escravos livres mesmo que em setembro de 1862 já houvesse proclamado a Lei
de Emancipação, vigorando em janeiro de 1963. E o filme aponta um dos motivos
desse desejo num dialogo que ele mantém com negros soldados logo na primeira
sequencia do filme. É interessante observar o despojamento do Chefe de Estado
quando é evidenciado que ele perdera um filho no conflito e estava na iminência
de perder o segundo que desejava ir para o campo de batalha sensibilizado com o
numero de mortos que chegavam às terras de União (norte).
O filme é um grande discurso
político que pretende evidenciar o caráter de um mandatário humano, de quem
compreendia que se um país se dizia cristão e democrático, evocando as palavras
divinas de que “os homens foram feitos iguais”, tão enfatizado pelos Pais
Fundadores, estaria cometendo um paradoxo ao acobertar o preconceito racial.
“Lincoln” é um painel honesto
sobre um recorte histórico da História Americana. E muito deve ao roteiro e ao
ator Daniel Day Lewis, no papel principal. Maquilado de forma a parecer
fisicamente com o biografado, Lewis, já detentor de 2 Oscar (por “Meu Pé
Esquerdo” em 1989, e “Sangue Negro”, em 2007) deve ganhar o seu terceiro (e ele
ainda chegou a ser candidato por “Em Nome do Pai”/1993 e “Gangues de Nova
York”/2002). O ator passou anos trabalhando esse protagonismo e chegou a
ensaiar um gestual que foi descrito, na biografia de Lincoln, como típito desse
líder político. Impressiona o gestual.
Mas o que salta do conjunto é
que um filme longo (mais de duas horas e meia de projeção) e pousado em falas,
consegue atrair plateias com vivo interesse. Não é possível criticar como “não
cinema” um filme que apresenta extensos diálogos. Não bastam as brilhantes
frases que se ouve (ou lê). Um elenco bem conduzido, uma produção bem cuidada,
uma edição que sabe jogar com o “timing”(tempo de sequência) todo um conjunto
técnico-artístico colabora para que o trabalho do conhecido diretor de “Tubarão”
seja mais do que uma homenagem. É, como eu mencionei, um documento histórico. Mesmo
porque, a não concessão para evidenciar o jogo político construido nos
bastidores do poder entre os personagens diretamente envolvidos no interesse do
presidente em aprovar a 13ª Emenda nesse momento, mostrou que somente nessa
base, entre barganhas e acertos interpares, Lincoln conseguiu a vitória para a
emenda apresentada. Como ele dizia, é agora ou nunca, quando o fim da guerra
ainda não fora definido, que será possivel a aceitação da proposta, seguindo-se
o fim dos confrontos norte-sul.
Embora o filme explicite o
entorno da ingerencia política entre os legisladores e o executivo, dando uma
aula sobre o legislativo americano, sem duvida atiça o interesse do público em
busca de mais informações sobre o episódio. Filme imperdível!
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