Aproveitando o tempo de exibição no Cine Estação desse filme maravilhoso e de uma profundeza estética admirável sobre o amor e a morte, publico hoje um comentário de Lorena Montenegro, membro da ACCPA. É mais uma chamada para os retardatários que ainda não o assistiram. (LMA)
“AMOR” DE MICHAEL HANEKE
Lorenna Montenegro
Uma história dolorosa e
profunda, que vem arrebatando críticos ao redor do mundo, está em exibição em
Belém até o final do mês. Muito por conta dos mais de 20 prêmios que
colecionou, entre eles o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, foi que “Amor”,
aportou nas salas do circuito comercial.
Aqui, vale uma correção:
o longa-metragem do austríaco Michael Haneke só foi exibido em uma sala. Teve
um público tímido, após uma manobra um tanto arriscada da distribuidora
Imovision – na pessoa do produtor paraense Jair Santana – para trazê-lo para
cá.
Apesar do esforço não
ter sido compensado na bilheteria, o filme mereceu uma segunda chance, dessa
vez no Cine Estação das Docas. E o que se viu foi os freqüentadores da sala de
exibição alternativa lotando sessões, para ser impactado uma ou mais vezes pelo
drama de um casal de idosos retratado em tela grande.
Protagonizada pelos
grandes atores Jean-Louis Trintignant (de “Um homem, uma mulher”) e Emmanuelle
Riva (“Hiroshima, meu amor”), a história acompanha a rotina de dois
octagenários ex-professores de música que tem que lidar com uma fatalidade.
Ela, Anne, tão eloquente e alegre, de repente se vê tolhida de seus movimentos
e expressões por culpa de um AVC (acidente vascular-cerebral).
A vida vai, como numa
poética sinfonia de Schubert, se esvaindo do corpo e da mente de Anne. E ele,
Georges, tenta não perder a sanidade ao ver a mulher que ama naquele estado. O
estado das coisas se modifica e logo ele não sabe se ainda quer viver. A filha
(interpretada pela ótima Isabelle Hupert) tenta se reaproximar, cuidar da mãe.
Georges prefere ficar trancado, no apartamento, com a mulher e os problemas,
deixando o mundo e os filhos do lado de fora.
Vamos acompanhando, com
um aperto no peito, um homem numa situação-limite. Ele tenta manter as
aparências, restabelecer uma rotina, fingir que o tempo não passa e que o
companheirismo abafa o sofrimento. Entre quatro paredes, vemos que, no cinema
de Haneke, não há espaço para concessões ou fragilidades.
“Quando se atinge certa
idade, você passa a ter um entendimento maior do que a palavra sofrimento
significa quando vê alguém que ama agonizar. Eu nunca sei me analisar o
suficiente para saber o que busco ao fazer um filme. Mas tenho percebido que o
amor, assim como a violência, pode ser um elemento circunstancial”, declarou
ele, por ocasião do lançamento do filme no Festival de Cannes 2012.
Constantemente
arrebatador, é o primeiro filme do grande Trintignant desde 2003 – sendo o
primeiro como protagonista em muito tempo. O ex-namorado de Brigitte Bardot,
havia se aposentado do cinema e estava fazendo um ou outro espetáculo teatral
quando Haneke o convidou. Também na coletiva em Cannes 2012, ele disse que se
surpreendeu com a força de seu personagem, Georges, e como ele lida com
dignidade com o problema da mulher Anne, e acima de tudo, com lealdade. O ator
ainda frisou que não há retorno à vista.
Emmanuelle Riva contou,
na mesma ocasião, que fazer um filme que não fosse sentimental era a principal
diretriz a ser seguida. E ela, que brilhou no Kodak Theatre na noite do Oscar,
mesmo não levando o prêmio de melhor atriz, entregou a melhor atuação do ano,
provocando com o seu talento, uma conexão com a doente personagem que não
termina quando, de forma abrupta, a pressão do travesseiro sob o seu rosto a
liberta.
Ao fim, a sensação que
fica é que Michael Haneke realmente se supera neste filme, tão triste quanto
belo. Também responsável pelo roteiro, o diretor austríaco nos leva as lágrimas
ao abordar, com extrema sensibilidade, a dureza da velhice e da morte, sendo o
amor um afiado punhal que extermina a dor.
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