quinta-feira, 21 de março de 2013

OPINIÃO ALHEIA: "AMOR"




Aproveitando o tempo de exibição no Cine Estação desse filme maravilhoso e de uma profundeza estética admirável sobre o amor e a morte, publico hoje  um comentário de Lorena Montenegro, membro da ACCPA. É mais uma chamada para os retardatários que ainda não o assistiram. (LMA) 

“AMOR” DE MICHAEL HANEKE 
  
Lorenna Montenegro


Uma história dolorosa e profunda, que vem arrebatando críticos ao redor do mundo, está em exibição em Belém até o final do mês. Muito por conta dos mais de 20 prêmios que colecionou, entre eles o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, foi que “Amor”, aportou nas salas do circuito comercial.
Aqui, vale uma correção: o longa-metragem do austríaco Michael Haneke só foi exibido em uma sala. Teve um público tímido, após uma manobra um tanto arriscada da distribuidora Imovision – na pessoa do produtor paraense Jair Santana – para trazê-lo para cá.
Apesar do esforço não ter sido compensado na bilheteria, o filme mereceu uma segunda chance, dessa vez no Cine Estação das Docas. E o que se viu foi os freqüentadores da sala de exibição alternativa lotando sessões, para ser impactado uma ou mais vezes pelo drama de um casal de idosos retratado em tela grande.
Protagonizada pelos grandes atores Jean-Louis Trintignant (de “Um homem, uma mulher”) e Emmanuelle Riva (“Hiroshima, meu amor”), a história acompanha a rotina de dois octagenários ex-professores de música que tem que lidar com uma fatalidade. Ela, Anne, tão eloquente e alegre, de repente se vê tolhida de seus movimentos e expressões por culpa de um AVC (acidente vascular-cerebral).
A vida vai, como numa poética sinfonia de Schubert, se esvaindo do corpo e da mente de Anne. E ele, Georges, tenta não perder a sanidade ao ver a mulher que ama naquele estado. O estado das coisas se modifica e logo ele não sabe se ainda quer viver. A filha (interpretada pela ótima Isabelle Hupert) tenta se reaproximar, cuidar da mãe. Georges prefere ficar trancado, no apartamento, com a mulher e os problemas, deixando o mundo e os filhos do lado de fora.
Vamos acompanhando, com um aperto no peito, um homem numa situação-limite. Ele tenta manter as aparências, restabelecer uma rotina, fingir que o tempo não passa e que o companheirismo abafa o sofrimento. Entre quatro paredes, vemos que, no cinema de Haneke, não há espaço para concessões ou fragilidades.
“Quando se atinge certa idade, você passa a ter um entendimento maior do que a palavra sofrimento significa quando vê alguém que ama agonizar. Eu nunca sei me analisar o suficiente para saber o que busco ao fazer um filme. Mas tenho percebido que o amor, assim como a violência, pode ser um elemento circunstancial”, declarou ele, por ocasião do lançamento do filme no Festival de Cannes 2012.
Constantemente arrebatador, é o primeiro filme do grande Trintignant desde 2003 – sendo o primeiro como protagonista em muito tempo. O ex-namorado de Brigitte Bardot, havia se aposentado do cinema e estava fazendo um ou outro espetáculo teatral quando Haneke o convidou. Também na coletiva em Cannes 2012, ele disse que se surpreendeu com a força de seu personagem, Georges, e como ele lida com dignidade com o problema da mulher Anne, e acima de tudo, com lealdade. O ator ainda frisou que não há retorno à vista.
Emmanuelle Riva contou, na mesma ocasião, que fazer um filme que não fosse sentimental era a principal diretriz a ser seguida. E ela, que brilhou no Kodak Theatre na noite do Oscar, mesmo não levando o prêmio de melhor atriz, entregou a melhor atuação do ano, provocando com o seu talento, uma conexão com a doente personagem que não termina quando, de forma abrupta, a pressão do travesseiro sob o seu rosto a liberta.
Ao fim, a sensação que fica é que Michael Haneke realmente se supera neste filme, tão triste quanto belo. Também responsável pelo roteiro, o diretor austríaco nos leva as lágrimas ao abordar, com extrema sensibilidade, a dureza da velhice e da morte, sendo o amor um afiado punhal que extermina a dor.

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