"Além das Montanhas" em exibição no Cine Líbero Luxardo
O conhecimento sobre o cinema romeno, entre nós, tem a marca da direção
de Cristian Mungiu, um crítico feroz à ditadura de Nicolae Ceasescu que se abateu
sobre o país na linha mais chegada ao que se deu na Tchecoslováquia, com o
alinhamento desse lider político à ideologia da China. Deste cineasta assisti a
“4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias”(2007), filme que marca o limite para o aborto da
principal personagem de um drama passado na época de Ceasescu. Agora em Belém
está em exibição “Além das Montanhas”(Dupa Dealuri, 2011) filme que recebeu
prêmios internacionais e que focaliza o relacionamento de duas jovens, amigas
& namoradas que são separadas por diversos motivos e se reencontram quando
uma delas residente há algum tempo num convento romeno recebe a visita da amiga
que deixa a Alemanha, onde trabalhava, supondo afastar-se de situações
vivenciadas e melhorar sua vida, ao agregar-se à amiga & amada.
Mungiu é um observador atento da era pós-Ceausescu ou pós-ditadura e
demonstra isso não só no filme já citado como em “Ocidente”(2002) e “Contos da Era Dourada”(2009), este último ciirculando
por aqui em DVD. Com “Além das Montanhas”, citação geográfica & histórica
e poética do convento onde se passa a historia, lança o olhar para a
importância da religião na cultura romena, sabendo que a grande maioria cristã
sofreu proibições na ditadura e no final desta era viu crescer entidades
religiosas como o claustro, focalizado no romance realista “Deadly Confession”,
de Tatiana Niculescu, publicado em 2006 e base do filme.
No enredo Voichita (Cosmina Stratan) e Alina (Cristina Flutur) são as
personagens que se reúnem e se defrontam com um cenário agressivo a seu envolvimento
afetivo. A primeira atende ao rigor do convento comandado por um frade que todos
chamam de pai (Valeriu Andriuta), conhecido até como milagreiro, tanto pelas
freiras como pelas pessoas da redondeza. A segunda não é uma crente efetiva nem
participante dos ritos da igreja e nunca foi de se submeter à disciplina ligada
a preceitos religiosos. Quando vê que seu objetivo que é levar de volta a amiga
para morarem juntas na Alemanha não se confirma, decepciona-se, passa a rebelar-se
também diante da rígida disciplina que lhe impõem os religiosos. Rotulada de
rebelde e sendo o seu comportamento considerado “coisa do diabo” a se torna candidata passível de ser submetida a
sessões de exorcismo. Gradativamente a atitude de revolta de Alina leva a
formas de tortura, sendo amarrada, amordaçada e deixada sem se alimentar por vários
dias.
Ao longo de toda a narrativa, com a câmera varrendo a vivência interna
do claustro, observa-se a submissão das freiras ao suposto saber do “pai”. Ele
dita os hábitos e é seguido rigidamente
mostrando-se um grupo que se diz cristão, mas sem nenhuma afinidade com o
sentimento, o afeto, revelando-se, inclusive, a imposição de um despojamento
como maneira de ser religioso. Há o confronto entre o passado e o presente
entre as duas jovens com evidências de que a aproximação entre elas, naquele
momento é ficção, um plano que não é mais do interesse da amada.
As sequencias de exercismo são muito crueis derivando daí a suposta
inquirição ao demônio que teria assumido o corpo de Alina. Ninguém admite a
crueldade física, mas atitudes de aprendizado para o espírito.
O roteiro do diretor baseado no livro que procura não se afastar de um
fato real é uma séria acusação à intolerância, especialmente por conta da
religião. Sabe-se que o drama da jovem rebelde acabou na alçada policial. Mas
não se sabe se houve punição severa especialmente ao superior do convento, ou o
“pai”.
As duas atrizes dividiram o premio específico no Festival de Cannes.
Realmente impressionam. Mas o filme, em seu conjunto, é feliz na amostragem
desejada, contrapondo a ação com elementos fotográficos que vão do branco da
neve na chegada do inverno e a escuridão do claustro, sem mesmo precisar de
detalhe da verdadeira crucificação da mulher rebelde. Isso e a opção por planos
abertos (conjunto), por lentos movimentos de câmera, por uma cobertura musical
discreta, mas atuante na ilustração do processo inquisitorial.
“Além das Montanhas” consome 150 minutos que são de fato
necessários na sua construção possivelmente agregada ao texto original (não
conheço o romance de Nicolescu mas a origem literária é percebida. Um filme a
ser conferido pelo cinéfilo autentico. Para não perder.
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