Figura Toupins de "O Quadro" em exibição no Olympia. Imperdivel!
Um
roteiro muito criativo escrito pelo diretor Jean François Laguionie e Anik
Leray coloca o filme “O Quadro”(Le Tableu/Belgica, França, 2011) numa posição
invejável no gênero. Seguindo o enredo, as imagens captam, em um ateliê de um
pintor, um quadro com aparência de inacabado. Na interlocução entre as figuras
animadas a partir da sequência seguinte vê-se uma divisão entre três tipos de personagens: os “Todopintados” (Toupins – desenhos totalmente pintados), que se consideram
superiores, os “Pelametade” (os Pafinis, as figuras estão
inacabadas) e os “Rabiscos” (os Reufs - esboços dos figurantes
em processo de criação), estes dois últimos sendo submetidos à imposição da
vontade e ao escárneo dos primeiros. Então o “Todopintado” Ramô se revolta
porque sua amada Claire está sendo excluida porque é uma Pafini e, com outros
personagens, sai em busca do pintor para que este reinicie seu trabalho
restaurando a paz entre todos. Seguem a intrépida jovem Lola, que invade os
quadros vizinhos, e o grupo passa a navegar de quadro em quadro. A “viagem” não
é à toa. Alguns buscam melhor definição de cores, especialmente no que se
refere ao vestuário. Outros simplesmente se acham esquecidos e querem linhas
que definam melhor seus corpos. Quem pode fazer tudo isso, obviamente, é o
pintor. Mas um auto-retrato deste informa-os que os Pafinis podem se pintar,
basta pegarem as bisnagas de tinta ao seu lado. Começa o que se pode chamar de
autopintura. Aos poucos eles percebem que essa nova atitude leva-os a se
pintarem do jeito que tiverem vontade, quer dizer, podem ser quem eles quizerem
ser. Mas Lola, em busca do pintor real, encontra-o em outro momento de criação,
se dedicando a pintar paisagens. E está em outra realidade.
Não basta
uma historia curiosa e metalinguística onde a arte da pintura é discutida a
partir do ato de criação. O filme, em si, é muito bem realizado. Estruturado no
processo antigo de desenho 2D sem uso das novas ferramentas digitais, usa
iluminação e enquadramento de forma a sintetizar o que se passa com as
pitorescas figuras, além de uma edição que incita suspense em sequências como
no quadro do carnaval em Veneza onde um dos personagens passa a ser perseguido
pela morte e ganha ajuda de colega (que acaba deixando a morte se transformar,
depois de se limitar ao véu que a cobre, em uma peça do assoalho do lugar).
Outra
sequencia ganha um tom poético. É quando o Rascunho pede ao auto-retrato do pintor
( no quadro específico) que ressuscite seu amigo, que havia sido destroçado por
um dos “Todopintados”. O pintor então recoloca as linhas e o tipo ressurge para
a alegria do amigo. Interessante é que Rabisco prefere que seus amigos sejam
tratados em primeiro lugar do que o acabamento da sua própria pintura,
demonstrando o apego aos bons sentimentos que existe mesmo numa imagem “feia”,
alvo de galhofa, mas resistente a isso.
“O
Quadro” aborda não só uma curiosidade em que a pintura pode ser feita por
elementos de sua própria estrutura. Nesse tom, ele atende à luta de classes,
dividindo as personagens em grupos antagônicos, coloca em pauta a consistência
de uma obra de arte, aludindo à pressa ou incipiência do artista, e invade
cenários da pintura clássica, do “nu artístico” à chamada natureza morta. No
primeiro caso há uma donzela desnuda que teria sido originalmente pintada com
vestido, mas logo despida pelo criador (a quem critica). Também se alude a
clássicos como Van Gogh na exibição do auto-retrato sabendo-se que esse pintor
desenhou a si próprio na época em que cortou a orelha em desespero (e hoje se
sabe no uso da papoula, fonte do LSD). O que o cineasta produziu é um raro
trabalho que exibe e discute a arte das imagens lembrando exemplares de seu
próprio país como “As Bicicletas de Belleville”(Les Triplettes de
Belleville/2002) e “O Mágico”(L’Ilusioniste/2010) ambos de Sylvain Chomet.
O filme está sendo exibido no cinema
Olympia até 5ª Feira às 18h30. Um dos melhores do ano. Imperdível.
Luzia, concordo com voce já é um dos melhores do ano, abordagem em forma de fábula, de nossos preconceitos e diferenças sociais, torna o filme leve e nos ensina de maneira sutil, que as diferenças são meras covençoes que adotamos
ResponderExcluir