Gilda/Rita
O texto abaixo foi
elaborado em janeiro de 2009 por Stella Pessoa para o site http://www.cronopios.com.br/site/prosa.
Ao tomar conhecimento da exibição de "Gilda", filme com
Rita Hayword, a amiga me autorizou a publica-la no blog.
VOZ SENSUAL
Por Stella Pessôa
“Mas bem
que nós fomos muito felizes
Só durante o prelúdio
Gargalhadas e lágrimas
Até irmos pra o estúdio
Mas na hora da cama nada pintou direito.”
(Eclipse Oculto / Caetano Veloso)
Só durante o prelúdio
Gargalhadas e lágrimas
Até irmos pra o estúdio
Mas na hora da cama nada pintou direito.”
(Eclipse Oculto / Caetano Veloso)
Sexo, para Luís, precisava de imagem. Fantasias sexuais! Era
assim, fantasioso, quando ele estava acompanhado. Também era assim quando ele,
entre vaso e azulejos, sozinho fazia medrar sua volúpia. Até o ápice. A
fantasia não deixava Luís. Até o gozo.
Sempre o mesmo
excitante: Gilda. “There never was a woman like Gilda!”.
Luís ao lado de Sílvia, Luís ao lado de Júlia Maria, Luís ao
lado de Carla, Luís ao lado de Vitória, Luís ao lado de Madalena... Ou no papel
de onanista, a engendrar com primor o atrito mais alucinante. Em qualquer
ocasião, a vida toda, na cabeça de Luís só havia o strip-tease da ondulante Gilda – o lento deslize da luva negra, o
colo descoberto pelo decote, o pêlo e o contrapelo, o fecho da cena com “I’m not very good at zippers” e, muito
mais que tudo isso, a voz sedutora de “Put
the blame on Mame, boys! / Put the blame on Mame!”. E prazer... E
deleite...
Aos vinte anos, Luís amou Gilda. Aos trinta, Gilda. Aos
quarenta e cinqüenta, Gilda. Luís não se casou. Nada fixo. Queria liberdade.
Não queria filhos. De jeito nenhum. Trocava ambientes, luzes, parceiras,
cúmplices, situações e circunstâncias. Variava e alternava na prática. Com
esmero, alternava e variava o palco, no corpo a corpo ou na solidão dos
interlúdios. Mas havia uma espécie de fidelidade de Luís – da imaginação de
Luís – à personagem cinematográfica de Rita Hayworth embalada por “Put the blame on Mame, boys! / Put the
blame on Mame!”.
Um dia, pela manhã,
Luís leu nos jornais:
– Respeitados pesquisadores e cientistas da Universidade do
Estado de Nova York desenvolveram abrangedora experiência e acabam de concluir
desses estudos que a voz da mulher fica mais atraente exatamente quando ela
está no auge do período fértil.
Luís ficou penseroso e murmurou com os seus botões:
– Bela voz? Voz sensual! “Put the
blame on Mame, boys! / Put the blame on Mame!”. Gorjeio mais sexy no período
fértil? Filhos? Nem pensar...
À noite, o interfone tilinta. Vera sobe. Vera chega. Para
Luís, é Gilda – à vera.
Champagne, cristal, porcelana, prata, frios,
espelhos, linho, abat-jour, coxins.
Vera – ou Gilda – e Luís. Toques. Nudez. Cheiros. Resvalos. Descobertas.
Sussurros. Arrepios. Preliminares. Quase... Em transe, Luís ouve a fantasia do
apelo sensual: “Put the blame on Mame,
boys! / Put the blame on Mame!”. Quase... Quase... A pino. Mas, na
hora a pino, como uma assombração, a notícia do jornal usurpa o devaneio de
Luís e queda sua libido. Malogro.
Stella Pessôa nasceu e mora em Belém
do Pará. É engenheira, analista de sistemas de informação e escritora. Ganhou
prêmios de contos da Academia Paraense de Letras e do Portal Literal. Publicou
“Ficção em vez de confissões” e está no prelo “Mulher com o seu amante”, ambos
coletâneas de contos. Escreveu ensaios que figuram no site oficial de Chico
Buarque de Hollanda. E-mail: stellapessoa@uol.com.br
http://www.cronopios.com.br/site/prosa
Nenhum comentário:
Postar um comentário