sexta-feira, 24 de maio de 2013

UMA CRÔNICA PARA "GILDA"




Gilda/Rita 



O texto abaixo foi elaborado em janeiro de 2009 por Stella Pessoa para o site http://www.cronopios.com.br/site/prosa. 
Ao tomar conhecimento da exibição de "Gilda", filme com Rita Hayword, a amiga me autorizou a publica-la no blog. 



VOZ SENSUAL
Por Stella Pessôa
“Mas bem que nós fomos muito felizes
Só durante o prelúdio
Gargalhadas e lágrimas
Até irmos pra o estúdio
Mas na hora da cama nada pintou direito.”
(Eclipse Oculto / Caetano Veloso)


Sexo, para Luís, precisava de imagem. Fantasias sexuais! Era assim, fantasioso, quando ele estava acompanhado. Também era assim quando ele, entre vaso e azulejos, sozinho fazia medrar sua volúpia. Até o ápice. A fantasia não deixava Luís. Até o gozo.
Sempre o mesmo excitante: Gilda. “There never was a woman like Gilda!”.
Luís ao lado de Sílvia, Luís ao lado de Júlia Maria, Luís ao lado de Carla, Luís ao lado de Vitória, Luís ao lado de Madalena... Ou no papel de onanista, a engendrar com primor o atrito mais alucinante. Em qualquer ocasião, a vida toda, na cabeça de Luís só havia o strip-tease da ondulante Gilda – o lento deslize da luva negra, o colo descoberto pelo decote, o pêlo e o contrapelo, o fecho da cena com “I’m not very good at zippers” e, muito mais que tudo isso, a voz sedutora de “Put the blame on Mame, boys! / Put the blame on Mame!”. E prazer... E deleite...
Aos vinte anos, Luís amou Gilda. Aos trinta, Gilda. Aos quarenta e cinqüenta, Gilda. Luís não se casou. Nada fixo. Queria liberdade. Não queria filhos. De jeito nenhum. Trocava ambientes, luzes, parceiras, cúmplices, situações e circunstâncias. Variava e alternava na prática. Com esmero, alternava e variava o palco, no corpo a corpo ou na solidão dos interlúdios. Mas havia uma espécie de fidelidade de Luís – da imaginação de Luís – à personagem cinematográfica de Rita Hayworth embalada por “Put the blame on Mame, boys! / Put the blame on Mame!”.
Um dia, pela manhã, Luís leu nos jornais:
– Respeitados pesquisadores e cientistas da Universidade do Estado de Nova York desenvolveram abrangedora experiência e acabam de concluir desses estudos que a voz da mulher fica mais atraente exatamente quando ela está no auge do período fértil.
Luís ficou penseroso e murmurou com os seus botões:
 – Bela voz? Voz sensual! “Put the blame on Mame, boys! / Put the blame on Mame!”. Gorjeio mais sexy no período fértil? Filhos? Nem pensar...
À noite, o interfone tilinta. Vera sobe. Vera chega. Para Luís, é Gilda – à vera.
Champagne, cristal, porcelana, prata, frios, espelhos, linho, abat-jour, coxins. Vera – ou Gilda – e Luís. Toques. Nudez. Cheiros. Resvalos. Descobertas. Sussurros. Arrepios. Preliminares. Quase... Em transe, Luís ouve a fantasia do apelo sensual: “Put the blame on Mame, boys! / Put the blame on Mame!”. Quase... Quase... A pino. Mas, na hora a pino, como uma assombração, a notícia do jornal usurpa o devaneio de Luís e queda sua libido. Malogro.


Stella Pessôa nasceu e mora em Belém do Pará. É engenheira, analista de sistemas de informação e escritora. Ganhou prêmios de contos da Academia Paraense de Letras e do Portal Literal. Publicou “Ficção em vez de confissões” e está no prelo “Mulher com o seu amante”, ambos coletâneas de contos. Escreveu ensaios que figuram no site oficial de Chico Buarque de Hollanda. E-mail: stellapessoa@uol.com.br

 http://www.cronopios.com.br/site/prosa 

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