quarta-feira, 3 de julho de 2013

LONGE DO PARAÍSO


Julianne Moore e Denis Haysbert em "Longe do Paraíso"

Considerado um cineasta com carreira eclética no cinema atual, o norte-americano Todd Haynes, explora, em 2002, um tema e modo de ver a sociedade dos anos cinquenta de seu país, utilizando-se, em “Longe do Paraíso”(Far from Heaven, EUA, 2002) seu quarto longa metragem, a linha narrativa central tão cara na filmografia do veterano diretor alemão Douglas Sirk. Houve, inclusive, alguns críticos que descreveram a sensação de que este filme seria uma paráfrase inspirada em “All That Heaven Allows”(Tudo Que o Céu Permite, EUA, 1955) em que uma viúva, já madura, protagonizada por Jane Wyman, é quase expulsa da comunidade em que vive, por envolver-se com seu jardineiro (Rock Hudson). Posição social e geracional são os motes da discriminação contra ela.
Há, contudo, outras ingerências no filme de Todd Haynes tomando a situação das relações de gênero com ênfase na posição submissa de uma mulher de classe média na sociedade norte-americana nos anos cinquenta e pontuando dois eixos, um deles pouco usual no cinema de Sirk. Primeiramente, a homossexualidade de Frank Whitaker (Denis Quaid) casado com Cathy (Julianne Moore), pai de um casal de filhos e avesso a que a sua situação homoafetiva venha à tona, ao ser flagrado pela esposa e amedrontando-se com a condenação social e aos seus negócios. O segundo elemento, o preconceito racial, envolvendo a esposa de Frank, ao se aproximar de seu jardineiro negro, Raymond Deagan, (Dennis Haysbert) se torna suspeita de manter relações afetivas com ele. Mas não é só isso, pelos boatos sobre o envolvimento de Cathy com a associação de proteção aos negros e, ao dimensionar a discriminação racial na escola entre seus filhos, estes são penalizados. Neste caso, a similaridade recai no filme “Imitação da Vida”( EUA, 1959), de Sirk, dentro do tema preconceito racial.
Nas primeiras sequências, a formatação do eixo central – familia norteamericana classe média, heterossexual – é explorada pelas midias da época – revistas de leitura doméstica – evidenciando-se os padrões desse modelo, com referenciais de representação social em que todas as atividades comunitárias e privadas são de responsabilidade das mulheres, que demonstram a perfeição aspirada no relacionamento intrafamiliar. São as mulheres – apresentadas como figuras frívolas – que conduzem a organização da casa e das entidades sociais. O “aplomb” (como se dizia antes, para referir o autodomínio pessoal) deveria ser uma atitude feminina, enquanto a tomada de decisões racionais dependia do caráter masculino. Dessa forma é conduzido o casal Whitaker visto no comando do símbolo da “familia perfeita”.
Mas à medida que os sinais dessa referência são postos a prova, alguns “remédios” são usados internamente. No caso do marido, a esposa leva-o a um psiquiatra que conduz a “cura gay” preocupada em manter o status quo daquele padrão que a faz “feliz”, como define sua vida para as amigas. O terapeuta informa ao seu “paciente” – inclinado a ser o exemplo do hetero – quais medidas a serem adotadas por sua ciência para o retorno ao controle da sexualidade. E as sessões são inciadas. Quanto à esposa, despojada há tempo de uma sintonia com a afetividade (cf. uma conversa em que suas amigas declaram quantas vezes/semana mantêm relações sexuais com seus maridos) e/ou um retorno ao seu modo de ser amável, sente-se atraída por quem lhe dedica algumas horas de seu tempo – o jardineiro Raymond. O envolvimento com a situação racial em sua pequena comunidade de Connecticut (EUA) não se refere apenas a esse episódio, mas sendo contrária à discriminação desencadeada entre as pessoas do lugar. Fofocas e a própria reação do marido contra ela poderiam ser meios de afastar-se da trama. Mas não é isso o que ocorre.
Não se pense que há um fecho comumente usado pelo cinema norte-americano. O público irá desenvolver suas próprias conclusões no final do filme.
Quanto à narrativa, há realmente uma grande afinidade entre “Longe do Paraíso” e o cinema de Sirk. Veja-se, por exemplo, a fotografia (de Edward Lachman), com reprodução exemplar do tom pastel tão presente em “Tudo Que o Céu Permite”. Aliás, a voz corrente da crítica mundial aos trabalhos desse diretor é de que esse recurso sintoniza com o que ele pretendia evidenciar da hipocrisia da sociedade norte-americana, numa metáfora que escamoteia as tensões internas intra-familia e o que deve ser visto socialmente.
Um filme que deixa pensar em tantas questões debatidas inclusive na sociedade brasileira hoje.


Grupo de mulheres classe média da sociedade de Connectcut dos anos cinquenta.

Um comentário:

  1. Alex Barata da Silva4 de julho de 2013 às 06:41

    Luzia como eu comentei no seu outro post, a questão da descoberta da homossexuliadade do marido de cathy, é apenas a ponta do iceberg para que se desecandeia todos os precocncietos que existiam na sociedade americana nos anos 50, o precocneito sexual, racial de classes.

    uma coisa interessante, de prestar atencão o estado de Connectiut onde se passa a ação do filme hoje em dia é um dos estados americanos que permitem o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

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