Em 2004 o cearense Halder Gomes realizou o curta-metragem “Cine
Holiúdy – o Astista Contra o Caba do Mal”, ganhando mais de 40 prêmios
em mostras especificas. Ano passado obteve recursos para avançar sua idéia num
longametragem de sua história. E surgiu este “Cine Holiudy”(2013) que por um
verdadeiro milagre de mercado atinge o território nacional com uma
simultaneidade entre blockbuster.
O filme foi realizado numa cidade do interior do Ceará, com
orçamento baixo (diga-se baixíssimo) e um artesanato amadorístico. Interessava
captar o regionalismo como a fórmula de comédia. E para isso foi usada a “fala
nordestina”. Tanta gíria que houve necessidade de colocar legendas nas cópias
nacionais.
O enredo segue o interiorano Francisglaydisson que sonha em
montar um cinema mesmo com a ressalva da esposa que lembra sempre seus deveres
de família (ela e um filho menor). Seguindo o sonho, ele deixa seu vilarejo e
segue para um município onde (décade 70) ainda não tinha chegado televisão. E o
perigo da TV já era notado na sua terra de origem onde se vê um garoto contando
as peripécias que vê de um aparelho Telefunken (marca popular na época). Ao
chegar à localidade onde deve se assentar, o rapaz acha um prédio abandonado e
monta o seu cinema. Há muita burocracia a enfrentar e isso é motivo de critica.
Mas finalmente ocorre uma sessão de estreia com a presença do prefeito, do
pároco, de funcionários públicos e o mais de um microcosmo onde pontuam tipos
populares exibidos com a mais rude caricatura possível para efeito cômico. O
projetor 16 mm não termina o programa (queima) e quem faz a vez dos lutadores
de caratê do filme em exibição é o próprio dono da casa, contentando a plateia,
sob as sombras mágicas da tela do cinema. No fim de tudo, chega à praça a
primeira imagem televisiva. Mas Francisglaydisson acaba fazendo parte da nova
tecnologia.
Se o espectador for levar a coisa a sério, ou pensar em
comédia de estilo universal, vai achar um absurdo o “cearês” aventado por
Gomes. É preciso levar em conta as peculiaridades regionais que o cineasta usa
como fórmula de seu trabalho. Para isso há um padre estereotipado como palhaço
de circo, como há agentes de segurança que parecem lutadores de ringue, e um
político (o prefeito) usando e abusando da demagogia inserida anos a fio no
anedotário popular. E entre a garotada que tenta assistir ao filme da rua,
forçando uma janela, há um palhaço. O roteiro poderia caber num circo mambembe
desses que percorrem cidades interioranas do Brasil como Selton Mello mostrou
no seu “O Palhaço”.
Influências existem. Do “Cinema Paradiso” de Giuseppe
Tornatore, do “Splendor” de Ettore Scola, do “Bye Bye Brazil” de Cacá Diegues.
Mas esses filmes são apenas lembranças esparças aproveitadas certamente pelo
diretor cearense. “Cine Holiúdy” é um glossário de ditos folclóricos, de
comicidade popular que se expressa especialmente nas falas. Termos peculiares
da região saltam como meios de articular os diversos tipos, todos mostrados de
relance, sem qualquer profundidade, objetivando unicamente o riso,
especialmente de quem conhece o palco das palhaçadas.
Vi o filme como um raro exemplo de cinema modesto,
especificamente regional, semiamadorista, e, por causa disso, dono de uma
sinceridade incomum. É um diamante bruto a ser lapidado mais pela capacidade da
plateia auferir como é um pedaço do Brasil. Acima de tudo, uma maneira de
extrair o nosso típico modo de viver essa arte visual como a que foi implantada
pelo cinema de Hollywood criando a cultura dos filmes “capa e espada” e/ ou dos
karatês. Um exemplo é o momento que a “lanterna mágica” se desloca da pelicula que
havia queimado na cabine e vê a ginástica de lutador do dono do cinema. Esse é
um dos bons momentos do filme, pois mostra que essa arte enquanto ilusão não
está derrotada porque as sombras mágicas reconstituem o desejo de ver o que
todos têm na imaginação. Senti no filme uma postura responsável de quem gosta
de cinema e que um dia passou por essa situação em sua cidade. Se amadoristico,
garanto que representa bem o que é ser criativo. Merece meu aplauso.
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