“À Tarde”, de Angela Schanelec. Exibição no Olympia.
Com base na peça “The Seagull” (A
Gaivota) de Anton Chekhov, Angela Schanelec realizou “À Tarde” (Nachmittag, Alemanha,
2007). Em sua filmografia a cineasta apresenta 11 filmes como atriz e 9 como
diretora. Nenhum título conhecido por aqui. Este que também pode ser traduzido
como “Entardecer” (há outras traduções para esse termo) tende a surpreender os nossos
cinéfilos devido ao alto estilo narrativo. Um exemplo de extrema paciência no
seguimento dos tipos e de situações vivenciadas, querendo explorar/observar o
que cada um sente e faz – na realidade sente e procura simbolizar com um tipo
de argumentação intimista.
A peça de Anton
Chekhov ( 1860-1904) foi escrita em 1895 e concebida por ele como uma comédia.
Entretanto, tem sido tratada como drama ou tragédia. Para o escritor seria: "uma
comédia, três papéis de mulher, seis para homens, quatro atos, uma paisagem
(vista para um lago), muitas conversas sobre a literatura, um pouco de ação, um
toque de amor".
O enfoque principal dado por Angela
Schanelec é sobre Konstantin (Jirka Zett), jovem escritor que está na casa da
mãe, atriz, à beira de um lago, com a namorada e irmãos sendo uma adolescente
que também se focaliza com extremo cuidado.
Sempre foi difícil fazer cinema de
emoções. Traduzir o que sente uma personagem chega a ser deficiente até mesmo
na literatura onde o leitor refaz mentalmente o texto. No cinema pede-se que se
veja este sentimento. E como se pode fazer isso? Antonioni tentou na sua série
introspectiva iniciada com “A Aventura”. Mas o que se viu foi Monica Vitti
andando com a câmera atrás dela. Ou Jenanne Moreau dialogando com Marcello
Mastroianni sobre seu relacionamento ao visitar um amigo enfermo em “A Noite”.
O interior humano ficou mais no corpo que desaparece em “Blow Up” – como a
jovem que some no mar em “A Aventura”. É muito difícil traduzir em imagens o
que se passa no íntimo de pessoas focalizadas. E a narrativa bem pessoal de
Angela Schanelec usa o silencio e a demora e economia à exaustão, dos planos.
Quase não há câmera manual, recurso comum atualmente. Imagens fixas demoram-se
nos corpos de tipos que sofrem e vivem. E na primeira sequencia do filme ela
anuncia a opção, quando se vê um palco e uma atriz ensaiando uma peça. Ela será
o eixo do drama de sua família e a câmera vai acompanhá-la na vida reticente do
marido, filhos e agregados.
O titulo “entardecer” cabe bem na
proposta de focalizar preferencialmente uma tarde na vida de seres
heterogêneos. Quase no final é que se vê a noite, com o jovem e uma companhia
nas imediações da casa do lago. Não há manhã radiosa posto que não há esboço de
alegria nas figuras focalizadas. E a despedida de Konstantin pode ser a despedida
de sua própria existência. Mas o único plano do amanhecer pode ser trágico
embora tratado de forma reticente. A mulher-atriz olha o lago e vê uma pessoa
nadando até chegar a uma plataforma. Não dá para identificar quem é, mas pode
ser quem se pensa que seja. Não se explica quase nada do enredo, considerando-se
o modo como a ação toca fundo o gestual, as máscaras e a indefinição das
narrativas intra e interpessoal dos tipos.
Num estudo sobre a obra da diretora,
a filósofa portuguesa Susana
Nascimento Duarte diz sobre o filme: “ De Tarde opera, em certa medida, no sentido inverso dos filmes
anteriores, explorando não a potência de um afastamento das relações
familiares, mas indo ao encontro do que se foge nos outros: a fuga dá lugar ao
reencontro doloroso de uma família despedaçada”. Em outro momento diz Susana: ...“a verdadeira
acção não é a do enredo, mas a dos modos cinemáticos de
observação”.
“Entardecer”é filme de exceção, não é
“divertissiment” como dizem os norte-americanos. Na linha mais para Tarkovsky,
a autora alemã exibe um cinema fechado, extremamente autoral, nada identificado
com o que a indústria explora. E por isso não deve ser analisado antes que seja
visto. Cada espectador/a é convidado/a a
descobrir o que se expõe na tela. Com a paciência com que se contempla uma obra
de arte.
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