terça-feira, 26 de novembro de 2013

O NONO DIA



 Ulrich Matthes  & os nazis  em "O Nono Dia"

Em março de 1933 abriu-se o campo de Dachau – construido em uma antiga fábrica de pólvora próximo àquela cidade alemã -  lugar da prisão de personalidades que foram julgadas perniciosas ao regime nazista imposta, nesse ano, com a chegada de Adolf Hitler ao poder. Os números registram cerca de duzentos mil prisioneiros que passaram por este campo entre franceses, polacos, soviéticos e italianos. E havia um pavilhão que os carcereiros apelidaram de "bunker de honra", onde ficavam  altas personagens da vida pública e,  numa barraca, sacerdotes provenientes de zonas ocupadas e anexadas à Alemanha. É nesse espaço que viveu o sacerdote católico de Luxemburgo, Jean Bernard (1907-1994), um homem culto que, desde janeiro de 1941 se encontrava preso sendo selecionado pelos nazistas como um possível aliado. Certo dia deram-lhe férias de 9 dias para que, de sua casa, passasse a influenciar o bispado a colaborar com o regime, fazendo com que o arcebispo da cidade acolhesse os nazistas como amigos dos cristãos, uma vez que o Papa Pio XII já havia declarado alguma ajuda nesse sentido.
O filme “O Nono Dia”(Der Neunte Tag, Alemanha, 2004) de Volker Schlondorff, trata de Bernad como Henri Kremer, com base no livro de memórias daquele, de título Pfarrerblock 25487”, e o roteiro escrito pela dupla Eberhard Görner e . Andreas Plüger.
O acerto começa na escolha do ator para viver o padre prisoneiro: Ulrich Matthes (na época do filme com 45 anos). Ele esteve em outro grande filme sobre o nazismo: “A Queda”(Der Untergang/ 2004). Protagonizava Joseph Goebbles, o ministro da propaganda do regime. A máscara desse intérprete ajuda muito na composição do sacerdote desafiado em sua fé e seus brios, enfrentando vários interrogatórios por parte de um militar, o ex-seminarista Gerbhardt, brilhante trabalho do ator August Diehl. Nessas falas discute-se fé, política e capacidade de persuasão. As outras imagens ficam com o horror do campo de Dachau, especialmente quando um padre é explicitamente crucificado e a luta que se trava para obter água, com a disputa de gotas caindo de uma bica.
A narrativa segue em linearidade a odisséia do clérigo, tanto na prisão – obrigado a esconder a prática religiosa convivente ao lado dos colegas – onde assiste às atrocidades cometidas de forma brutal e sem lógica – como na interpelação a que se submete entre os seus irmãos, preocupados com a vida dele e de si próprios sabendo das “vendetas nazistas” quando a SS não se sentia satisfeita com a atitude que exigia.
O cinema alemão estava numa maré de criticas à sua produção por “esquecer” os horrores nazistas. Certamente quem criticou não viu este filme que ora chega à Belém. Henri Kremer/Bernard tem 9 dias para cumprir a sua missão de acobertar o que acontece no regime instalado na Alemanha, e essa escolha por parte dos servidores de Hitler apoia-se, também, na morte da mãe dele, pessoa que Gernhardt diz ter sido “compreensiva” ou aliada da ideia de que a Igreja Católica devia se posicionar a favor do novo governo do país.
Schlondorff surgiu no movimento de renovação da cinematografia germânica, época em que apareceram, entre outros, Rainer W. Fassbinder, Werner Herzog, Margareth Von Trotta e Helmut Kutner. Lembro que nos anos 70/80 o Cine Clube APCC trouxe até Belém os primeiros filmes desses cineastas exibindo cópias em 16 mm nos aditórios da AABB (Gov José Malcher) e Faculdade de Ondonotlogia (Pça Batista Campos). Os filmes eram veiuculados pelo mesmo Instituto Goethe (hoje comemorando seu cinquentenário) e, para nós, no trânsito com a filial desse instituto em Salvador (Ba). Foi a descoberta de um cinema novo tão importante como os que surgiam então a seguir a “nouvelle vague” de Paris. Hoje é possível que o público conheça mais Schlondorff de “O Tambor”(Die Blechtrommel, 1979) filme vencedor do Oscar para a categoria de estrangeiro. É confortante saber que o co-diretor (ao lado de Margareth Von Trotta) do também excelente “A Honra Perdida de Katherine Blum”(Die verlorene Ehre der Katharina, 1975) continua ativo (há previsão de direção em filme para 2014). O nosso publico não deve deixar de assistir a “O Nono Dia”. Excelente.


Nenhum comentário:

Postar um comentário