Ulrich Matthes & os nazis em "O Nono Dia"
Em março de 1933 abriu-se o campo de
Dachau – construido em uma antiga fábrica de pólvora próximo àquela cidade
alemã - lugar da prisão de personalidades
que foram julgadas perniciosas ao regime nazista imposta, nesse ano, com a
chegada de Adolf Hitler ao poder. Os números registram cerca de duzentos mil
prisioneiros que passaram por este campo entre franceses, polacos, soviéticos e
italianos. E havia um pavilhão que os carcereiros apelidaram de "bunker de
honra", onde ficavam altas personagens da vida pública
e, numa barraca, sacerdotes provenientes de zonas ocupadas e
anexadas à Alemanha. É nesse espaço que viveu o sacerdote católico de
Luxemburgo, Jean Bernard (1907-1994), um homem culto que, desde janeiro de 1941 se encontrava
preso sendo selecionado pelos nazistas como um possível aliado. Certo dia
deram-lhe férias de 9 dias para que, de sua casa, passasse a influenciar o
bispado a colaborar com o regime, fazendo com que o arcebispo da cidade acolhesse
os nazistas como amigos dos cristãos, uma vez que o Papa Pio XII já havia
declarado alguma ajuda nesse sentido.
O filme “O Nono Dia”(Der Neunte Tag, Alemanha,
2004) de Volker Schlondorff, trata de Bernad como Henri Kremer, com base no livro
de memórias daquele, de título “Pfarrerblock 25487”, e o roteiro escrito pela dupla Eberhard Görner e . Andreas Plüger.
O acerto começa na escolha do ator
para viver o padre prisoneiro: Ulrich Matthes (na época do filme com 45 anos).
Ele esteve em outro grande filme sobre o nazismo: “A Queda”(Der Untergang/
2004). Protagonizava Joseph Goebbles, o ministro da propaganda do regime. A máscara
desse intérprete ajuda muito na composição do sacerdote desafiado em sua fé e seus
brios, enfrentando vários interrogatórios por parte de um militar, o ex-seminarista
Gerbhardt, brilhante trabalho do ator August Diehl. Nessas falas discute-se fé,
política e capacidade de persuasão. As outras imagens ficam com o horror do
campo de Dachau, especialmente quando um padre é explicitamente crucificado e a
luta que se trava para obter água, com a disputa de gotas caindo de uma bica.
A narrativa segue em linearidade a
odisséia do clérigo, tanto na prisão – obrigado a esconder a prática religiosa
convivente ao lado dos colegas – onde assiste às atrocidades cometidas de forma
brutal e sem lógica – como na interpelação a que se submete entre os seus
irmãos, preocupados com a vida dele e de si próprios sabendo das “vendetas
nazistas” quando a SS não se sentia satisfeita com a atitude que exigia.
O cinema alemão estava numa maré de criticas
à sua produção por “esquecer” os horrores nazistas. Certamente quem criticou
não viu este filme que ora chega à Belém. Henri Kremer/Bernard tem 9 dias para
cumprir a sua missão de acobertar o que acontece no regime instalado na
Alemanha, e essa escolha por parte dos servidores de Hitler apoia-se, também,
na morte da mãe dele, pessoa que Gernhardt diz ter sido “compreensiva” ou
aliada da ideia de que a Igreja Católica devia se posicionar a favor do novo
governo do país.
Schlondorff surgiu no movimento de renovação da cinematografia germânica,
época em que apareceram, entre outros, Rainer W. Fassbinder, Werner Herzog,
Margareth Von Trotta e Helmut Kutner. Lembro que nos anos 70/80 o Cine Clube
APCC trouxe até Belém os primeiros filmes desses cineastas exibindo cópias em 16
mm nos aditórios da AABB (Gov José Malcher) e Faculdade de Ondonotlogia (Pça
Batista Campos). Os filmes eram veiuculados pelo mesmo Instituto Goethe (hoje
comemorando seu cinquentenário) e, para nós, no trânsito com a filial desse
instituto em Salvador (Ba). Foi a descoberta de um cinema novo tão importante
como os que surgiam então a seguir a “nouvelle vague” de Paris. Hoje é possível
que o público conheça mais Schlondorff de “O Tambor”(Die Blechtrommel, 1979)
filme vencedor do Oscar para a categoria de estrangeiro. É confortante saber
que o co-diretor (ao lado de Margareth Von Trotta) do também excelente “A Honra
Perdida de Katherine Blum”(Die verlorene Ehre der Katharina, 1975) continua
ativo (há previsão de direção em filme para 2014). O nosso publico não deve
deixar de assistir a “O Nono Dia”. Excelente.
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