quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

JOGOS & FILOSOFIA MILITAR



 Harrison Ford e Asa Butterfield em "Ender's Game".

O conto de Orson Scott Card que originou “Ender’s Game – O Jogo do Exterminador”(Ender’s game, EUA, 2013) pode ter um objetivo antibélico, retratando ETs invasores como formigas e os militares terrestres como “dedetizantes”, atacando o ninho onde deve estar a “rainha”, antes que aconteça um replay de invasão (a primeira tem caráter dúbio e na historia a ser contada já se passaram 50 anos do fato). Também evidencia que novos valores guerreiros devem ser treinados sem explicitar que os velhos comandantes preferem se esconder de culpa por precipitação do ato bélico.
Todas as tramas que o filme aborda são interessantes e poderiam ganhar espaço acima de um “décor” trabalhado como um videogame e, com isso, ser agradável a um publico infanto-juvenil. O diretor Gavin Hood não trabalha uma profundidade no aspecto moral, moldando apenas o rosto de um garoto que de ingênuo filho de classe média transforma-se em um autêntico estrategista.
O filme ainda projeta similaridade com um  recorte singular evidenciado em “Nascido Para Matar”(de Stanley Kubrick) ao focalizar um oficial que “de cara” cisma com o personagem mirim e o trata com violência a ponto de merecer uma resposta dramática. Curioso é que esse antagonista é fisicamente menor do que o maltratado. Na verdade, há certa expectativa de todos os grupos formados no período de aprendizado dos “games” em relação ao nível de intuição desenvolvida por Ender e essa figura não poderia estar de fora, haja vista que o garoto é mandado para a turma dele, portanto, confrontando poderes.
“Ender’s Game”(o nome deriva do personagem principal) pode passar como um “game” realmente. Os aficionados a esse tipo de jogo eletrônico devem se achar na mesa de controle, apenas alimentando uma premissa em que o militarismo é visto como um mal a ser curado pela inteligência. Por isso, aliás, que o filme abre com uma frase do autor do conto que diz aproximadamente “quando o inimigo demonstra que pensa ele passa a ser amado por quem pensa”.
O jovem ator Asa Butterfield, revelação de desempenho no clássico “A Invenção de Hugo Cabret” (2011) e já demonstrando talento em “O Menino do Pijama Listrado” (2008), é realmente um dos poucos elementos que seguram o filme. Ele está sendo elogiado pela critica norte-americana a ponto de premio. Que receba bons papéis doravante são meus votos, atravessando a difícil fase de adolescente para adulto.
Como ficção cientifica “Ender’s Game” tem o aparato cênico das produções mais caras do gênero, mas bem longe de uma historia imaginosa como criava um Richard Matheson (autor de “O Incrível Homem que Encolheu”, “A Lenda’ e muitos episódios da série de TV “Além da Imaginação”). Isso transforma o resultado em um programa para uma faixa etária. Certamente foi o motivo de ter fracassado como blockbuster. No Brasil, se tentou forçar a bilheteria com o subtítulo “O Jogo do Exterminador”. E até que procede. Exterminar os inimigos com um só disparo de um engenho que atua como um câncer, reproduzindo moléculas a partir de um tiro, é tratado como uma partida em que o mais esperto tende a ganhar. Mas é justamente no aproveitamento desse jogo que o filme perde força. No final até que tenta se redimir quando Ender se defronta como Formic, ou a rainha formiga, e pede perdão pelo massacre de seus súditos (ou “operárias”). Mas a atitude súbita não convence os mais céticos. Ainda mais quando o pequeno personagem abdica da oportunidade de ser famoso. Se for avaliado desde o começo, vê-se que são elementos de um caráter que tudo faz para entender a motivação daquele jogo supostamente virtual, mas, na verdade, superando esse nivel e avançando para a realidade concreta, que é a objetivação dos seus mestres que o observam por detrás dos vitrais. O impacto do face-to-face com o inimigo dá a Ender o senso intuitivo de reconhecer que poderia ainda entender-se com este (no caso, Formic), sem dizimar seu contingente. Nesta sequencia, aliás, reconheci a situação de Klatoo (“O Dia em que a Terra Parou, 1951) quando os militares americanos não esperaram o diálogo que o extraterreste sugerira e atiraram nele.
O que é possível tirar de proveito da realização é o que se esboça. Pelo menos por ai o programa se justifica para quem tem a “mania” de pensar assistindo a filme comercial.


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