Claude (Ernst Umhauer) e Germain (Fabrice Luchini): o voyeurismo
O cineasta François Ozon acumula uma filmografia versátil,
tratando de diversos gêneros com um cuidado artesanal impecável e às vezes
surpreendendo com inventividade sobre o tema escolhido. É o caso deste “Dentro
da Casa”(Dans la Maison, França, 2010) baseado no livro “El Chico de la Ultima
FIla”, do dramaturgo espanhol Juan Mayorga. Trata de um professor de literatura
(Germain/Fabrice Luchini) que se sente desgastado com a mediocridade de seus
alunos. No ato de corrigir provas, todas com o tema “o que você fez no ultimo
final de semana” ele encontra uma exceção que o empolga. É do jovem Claude
(Ernst Umhauer) que narra sua admiração pela casa do colega Rapha Artole
(Bastian Ugheto), um lugar e uma classe que ele sempre almejou e jamais chegou
a atingir.
Sabendo que o colega é fraco em matemática, sua matéria
preferida, Claude consegue licença para dar a ele aulas particulares e adentra
a casa adorada. No imóvel conhece Esther (Emanuelle Seigner), mãe de Artole,
com quem tenta um relacionamento intimo, na verdade um modo de consolidar a sua
ambição. Mas a mulher reage e no momento resolve ajudar o marido que perdeu o
emprego e está em conflito psicológico precisando fugir do problema.
Sem Esther e a casa de seus sonhos Claude busca onde mora
seu professor, que logo se mostrou empolgado com seu talento e passa a
evidenciar na classe, as qualidades do aluno. É assim que este entra na outra
casa e assedia Jeanne (Kristin Scott Thomas), a esposa do professor.
Há no filme, pontos que emeregem do tema exposto: um
primeiro aspecto é o voyeurismo consentido, estimulado, exposto e, neste caso,
cria-se um aspecto moral revelado na relação que vai desenvolvendo com o personagem
que quer captar as cenas de vivencia criando interesse a outros sobre essas
cenas. Se as imagens narradas são parte do processo criador do aluno, estas são
repassadas a outros voyeurs – o professor e sua esposa, além do espectador. Na
transferência dos desejos entre o objeto de desejo do profesor de ser um
escritor e a escrita do aluno considerada excelente se estabelece o liame de mais um objeto de
desejo.
O outro aspecto é a da exposição do cotidiano familiar de uma classe
média, onde se evidenciam os meios conturbados ou negociações facilitadoras
para que este cotidiano seja facilitado entre situações falsas ou honestas. É o
olhar do observador (que não é observado nessa intimidade) que se torna a
tradução do que ele cria como objeto de desejo da casa do amigo. E que estabelece a pulsão do professor e sua esposa
enquanto leitores dessas hisórias. É daí que resulta a explicação para capturar
novos fatos, embora não seja possivel saber, também, se são narrativas
inventadas.
Além do desempenho excelente de Ernst Umhauer o filme conta
com uma narrativa criadora, evidenciando nos enquadramentos, nos planos e nos
movimentos de câmera todo o processo de ansiedade perversa do aluno-escritor.
Para se avaliar o grau de criatividade de Ozon basta focalizar
a última sequencia do filme quando Claude e Germain, sentados em um banco, veem
um prédio de apartamentos defronte. Claude fala das vidas das pessoas nos
aposentos, mostrando uma discussão entre duas mulheres e dando a sua opinião
para o que elas discutem. O professor tem outra versão, mas a câmera,
indiferente das hipóteses lançadas, aproxima-se um pouco das janelas e em dado
momento fecha-se uma espécie de porta, um recurso distante da tradicional
cortina escura (fade out), como se o próprio filme fosse uma casa que cerra a
porta adiante dos intrusos.
O enfoque vai da ambição gerada pela diferença de classe ao
despertar erótico do jovem estudante. Ele une inadvertidamente o sexo com o
luxo (não à toa, no caso, alerta-se para o termo luxuria) e pensa que assim
como está sendo aplaudido pelo professor pode conseguir sucesso também
invadindo os lares e conseguindo fazer sexo com as figuras mais proeminentes
deles. Chega a fazer chantagem com o amigo Rapha(a família, aliás, é conhecida
como Rapha) lembrando um beijo que ele lhe deu, alusão á homossexualidade que o
persongem jamais revela.
O filme é dos melhores do diretor, melhor mesmo do que “Á Beira
da Piscina”(Swimming Pool, 2003) que me parecia a sua obra-prima.
“Dentro da Casa”
ganhou 8 prêmios e 14 indicações. Está em exibição no Cine Estação em sessões
alternadas com a nova versão de “A Religiosa”. Procurem ver.
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