Charlotte Gainsbourg em Ninfomaníaca - Parte 2
Na primeira parte do depoimento de Joe (Charlotte
Gainsbourg, “Ninfomaníaca 1”) ao intelectual Selligman (Stellan Skargärd) que a
encontra ferida num beco próximo a sua casa, ela expõe o seu tropismo pela
atividade sexual desde adolescente, começando quando, ainda criança, deitada na
relva, próxima a um bosque, seu pai diz-lhe que tem afinidade espiritual por
uma arvore, e vê um vulto que a convida a levitar. Nesta segunda parte -
“Ninfomaníaca 2” (Nimphomaniac 2, Dinamarca, 2013) segue o depoimento a Selligman
e se inicia com um replay da sequência, explicando ao seu ouvinte que há algo
emblemático naquela aparição aos 12 anos, deitada na relva. Pensa ter visto duas
figuras femininas ao lado de uma luz intensissima e sente prazer. Seria a
Virgem Maria? Na parede da casa de Selligman está um ícone da igreja oriental
com a imagem da santa (um quadro tradicional muito visto no ocidente). Ele
explica que há uma divergência fundamental entre as igrejas orientais e
ocidentais. Na primeira, estaria a busca da felicidade, na segunda o encontro
com a tristeza – ou a dor (culpa, castigo, mal). No caso de Joe, ela estaria
deixando a primeira igreja e entrando na segunda ao narrar a ausência de
orgasmo. O filme ganha esse aspecto religioso inusitado.
Joe procura o meio médico quando se une a Jerôme e ao filho
gestado, ao perder a faculdade de sentir orgasmo. Alimenta o retorno ao desejo e
busca quem consiga fazê-la sentir prazer no sexo. E outra vez o filme volta à
questão do amor e dor, no “tratamento” a que a jovem se submete com um
terapeuta que usa artificios ardilosos chicoteando-a com um objeto mais
contundente do que um açoite comum. Nesse ponto, Selligman acha que é mais um
fator místico (40 chicotadas é de uso romano no primeiro século da era cristã).
E quando Joe perde tudo (familia e trabalho), sentindo necessidade de se
empregar para subsistir, o “emprego” é suborno sexual às pessoas. Para isso
conhece Pe, uma jovem de passado polêmico, com um defeito na orelha como uma
espécie de marca da sua gênese patológica. Trata a moça como filha/amante, mas
chega o momento em que isso não dará bom resultado, ou, como diz Selligman, não
a afasta do caminho do mal.
O filme é dividido em episódios e nisso cabe a ironia que
dilui o trágico e corta um possível liame melodramático. O último episódio
chama-se “A arma” e na concepção religiosa que sempre acoberta a ação há o
momento em que o uso de um revolver, pela mulher que durante a vida turbulenta
aprendeu de tudo, falha na hora precisa. Mas não falhará uma segunda vez se
alertado antes pelo ouvinte & conselheiro.
“Ninfomaniaca” passa
por cima do conceito freudiano do excesso sexual. O que seria um caso clínico,
não só ganha o aspecto alegórico aliado à religiosidade como a um constante
desencontro entre o desejo e a razão, com um elemento tentando compreender o
outro e a busca pela felicidade passando por tormentosos caminhos moldados pelo
comportamento social.
Na parte 1 e 2 de “Ninfomaníaca” é clara a discussão a que
remete o diretor em torno da sexualidade e do amor, considerando que uma não
tem nada com o outro. Se se observa o momento precursor dado a perceber sobre
essa evidência vê-se que a narração de Joe sobre a aparição que a faz levitar
aos doze anos, com esse ato levando-a ao orgasmo, ela está só e se sente
entregue às luzes, iniciando a estimular sua sexualidade e gostando do que
sente. Com Jerôme e o filho Marcel, na estrutura familiar tradicional, perde o que
sentia e deixa de gostar de si. Prefere buscar na dor o retorno à sensação de
desejo pelo prazer de sentir-se.
Desta vez Triers distanciou-se profundamente do seu estilo
“Dogma”, aquela linguagem que se propunha a desprezar todas as conquistas
formais do cinema e tentar uma filmagem realista ao extremo, com câmera na mão,
luz natural, atores sem maquilagem e edição extremamente simples, quase sempre
apegando as sequências na ordem direta da gravação (tal como se fazia no cinema
amador). Tanto a primeira como a segunda parte de “Ninfomaniaca” usa a
linguagem linear e se esmera nas interpretações. Isso não diz que o filme se
realize de todo, mas fica mais fácil de ser observado e, sequer, interpretado.
Filme muito bom.
Gostei das duas partes do filme, a segunda mostra como nossos desejos podem nos levara cometer atos insanos
ResponderExcluir"Conceito freudiano do excesso sexual". ???
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