Ben Affleck e a sua "garota desaparecida"
Quem “devora” histórias policiais dificilmente se contenta
com os programas em rotina no cinema e na TV. Há sempre uma sensação de “déja
vu”. Numa perspectiva interessante, a jovem escritora norte-americana e crítica
de televisão Gillian Flynn, de 43 anos, quebra o ritmo com uma intrincada
novela sobre um casal que na época de comemorar 5 anos de casamento sofre um
incidente devido a jovem esposa desaparecer de casa sem deixar pistas concretas
de seu paradeiro.
A pergunta básica da primeira parte do
filme “Garota Exemplar” (Gone Girl, EUA, 2014) é: quem sequestrou ou assassinou
Amy (Rosamund Pike)? As primeiras suspeitas recaem logo sobre o marido (Ben
Affleck). A narrativa expõe o formato inicial do encontro do casal e de como se
casaram. É preciso prestar atenção em cada plano do filme dirigido habilmente
por David Fincher (de “O Estranho Caso de Benjamin Button”). Após os créditos,
há um plano em que se vê a cabeça de Amy sendo acariciada (supostamente pelo
marido). Ele fala dos cabelos dela e de invadir o seu cérebro. A cena é uma
pré-pista do que começa a acontecer em seguida. Primeiramente, a busca pelo
marido, pela comunidade em peso, na suposição de um sequestro e/ou morte,
considerando que na cena dentro de casa há indícios de sangue de Amy. Pelos
hábitos do casal em época dessas datas de casamento, há suposição também de que
ela teria deixado pistas do presente a ser encontrado pelo marido. Daí porque
as buscas seguem essas pistas e em cada lugar são encontrados envelopes
contendo enigmas para a identificação do desaparecimento.
Assistindo ao filme é possível pensar
que o final vai ser do tipo que desvenda um enredo de forma brusca para punir
quem deve ser punido e poupar os inocentes. Mesmo nos clássicos “noir” há um
punhado de estereótipos que encaminham as situações para isso. Mas em “Garota
Exemplar” (cujo título em português é o homônimo do livro da escritora ao invés
de “Garota Que Partiu” ou mesmo “Garota Apaixonada”), os acontecimentos não se
precipitam e sim caminham de forma gradativa para deixar um punhado de
surpresas.
Contar o enredo é deixar os “spoilers”
prevalecerem haja vista que o processo aplicado pela narrativa do filme segue
dois eixos exemplares: a) criar o perfil do marido e aos poucos evidenciar o
desgaste do relacionamento; b) abrir esse perfil para constituir as pistas de
seu envolvimento com algo que deva ter acontecido com sua parceira. Não conheço
o livro daí não saber se essa montagem se explica também na escritura da
novela. Mas o diretor confessa que essa construção é a mesma do livro. E para
dimensionar convenientemente os tipos, e com isso armar as situações, usa
atores excelentes, em especial a jovem Rosamund Pike, tendo mais de 20 títulos
em sua filmografia (incluindo “Razão e Sensibilidade”). Também há o mérito de
Ben Affleck, um ator que é diretor e roteirista e que está em tempo de ser
reconhecido pela Academia de Hollywood com a experiência nesses campos. Na
verdade, se formos lembrar “Argo”, em 2012/13, este foi premiado em várias
categorias não reconhecendo as de diretor e ator.
A narrativa não é sempre linear. No início está focado no
tempo atual da ação e parte de um passado que é útil à compreensão do enredo.
Em determinado momento passa-se da marcação dos dias de desaparecimento de Amy
do tempo presente para o passado. Vê-se o que acontece (ou o que mereça ser
visto) em paralelo, com uma ação diferente em cada tempo, desde a indumentárias
aos cenários. Isso não ocorre na linha cerebral de algumas obras de cineastas
especialmente europeus. A modulação é um requisito para evitar excesso de
narração oral.
Interessante também é como o roteiro
exige um certo tempo e o filme não se furta a isso. “Garota Exemplar” consome
140 minutos mas são poucos os filmes longos que se mantém num plano de suspense
sem apelar para chavões como perigos iminentes a cada personagem.
“Garota...” está entre os títulos de
histórias policiais que não se fecha nos últimos créditos. O final fica em
aberto sobre o que poderá ocorrer no processo de buscas e novas descobertas.
Possivelmente haverá acontecimentos “a posteriori”, mas o fato de não fechar a
narrativa só faz enriquecer a obra de Fincher.
Um dos bons filmes exibidos nas salas
comerciais este ano. Procurem ver.
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