sexta-feira, 10 de outubro de 2014

GAROTA EXEMPLAR

Ben Affleck e a sua "garota desaparecida"

Quem “devora” histórias policiais dificilmente se contenta com os programas em rotina no cinema e na TV. Há sempre uma sensação de “déja vu”. Numa perspectiva interessante, a jovem escritora norte-americana e crítica de televisão Gillian Flynn, de 43 anos, quebra o ritmo com uma intrincada novela sobre um casal que na época de comemorar 5 anos de casamento sofre um incidente devido a jovem esposa desaparecer de casa sem deixar pistas concretas de seu paradeiro.
A pergunta básica da primeira parte do filme “Garota Exemplar” (Gone Girl, EUA, 2014) é: quem sequestrou ou assassinou Amy (Rosamund Pike)? As primeiras suspeitas recaem logo sobre o marido (Ben Affleck). A narrativa expõe o formato inicial do encontro do casal e de como se casaram. É preciso prestar atenção em cada plano do filme dirigido habilmente por David Fincher (de “O Estranho Caso de Benjamin Button”). Após os créditos, há um plano em que se vê a cabeça de Amy sendo acariciada (supostamente pelo marido). Ele fala dos cabelos dela e de invadir o seu cérebro. A cena é uma pré-pista do que começa a acontecer em seguida. Primeiramente, a busca pelo marido, pela comunidade em peso, na suposição de um sequestro e/ou morte, considerando que na cena dentro de casa há indícios de sangue de Amy. Pelos hábitos do casal em época dessas datas de casamento, há suposição também de que ela teria deixado pistas do presente a ser encontrado pelo marido. Daí porque as buscas seguem essas pistas e em cada lugar são encontrados envelopes contendo enigmas para a identificação do desaparecimento.
Assistindo ao filme é possível pensar que o final vai ser do tipo que desvenda um enredo de forma brusca para punir quem deve ser punido e poupar os inocentes. Mesmo nos clássicos “noir” há um punhado de estereótipos que encaminham as situações para isso. Mas em “Garota Exemplar” (cujo título em português é o homônimo do livro da escritora ao invés de “Garota Que Partiu” ou mesmo “Garota Apaixonada”), os acontecimentos não se precipitam e sim caminham de forma gradativa para deixar um punhado de surpresas.
Contar o enredo é deixar os “spoilers” prevalecerem haja vista que o processo aplicado pela narrativa do filme segue dois eixos exemplares: a) criar o perfil do marido e aos poucos evidenciar o desgaste do relacionamento; b) abrir esse perfil para constituir as pistas de seu envolvimento com algo que deva ter acontecido com sua parceira. Não conheço o livro daí não saber se essa montagem se explica também na escritura da novela. Mas o diretor confessa que essa construção é a mesma do livro. E para dimensionar convenientemente os tipos, e com isso armar as situações, usa atores excelentes, em especial a jovem Rosamund Pike, tendo mais de 20 títulos em sua filmografia (incluindo “Razão e Sensibilidade”). Também há o mérito de Ben Affleck, um ator que é diretor e roteirista e que está em tempo de ser reconhecido pela Academia de Hollywood com a experiência nesses campos. Na verdade, se formos lembrar “Argo”, em 2012/13, este foi premiado em várias categorias não reconhecendo as de diretor e ator.
A narrativa não é sempre linear. No início está focado no tempo atual da ação e parte de um passado que é útil à compreensão do enredo. Em determinado momento passa-se da marcação dos dias de desaparecimento de Amy do tempo presente para o passado. Vê-se o que acontece (ou o que mereça ser visto) em paralelo, com uma ação diferente em cada tempo, desde a indumentárias aos cenários. Isso não ocorre na linha cerebral de algumas obras de cineastas especialmente europeus. A modulação é um requisito para evitar excesso de narração oral.
Interessante também é como o roteiro exige um certo tempo e o filme não se furta a isso. “Garota Exemplar” consome 140 minutos mas são poucos os filmes longos que se mantém num plano de suspense sem apelar para chavões como perigos iminentes a cada personagem.
“Garota...” está entre os títulos de histórias policiais que não se fecha nos últimos créditos. O final fica em aberto sobre o que poderá ocorrer no processo de buscas e novas descobertas. Possivelmente haverá acontecimentos “a posteriori”, mas o fato de não fechar a narrativa só faz enriquecer a obra de Fincher.
Um dos bons filmes exibidos nas salas comerciais este ano. Procurem ver. 


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