Rickson Tevez é Rafael em "Trash", de Stephen Daldry
Em 2010, o escritor inglês de ficção infanto-juvenil Andy Mulligan, lançou “Trash”, seu quarto livro nesse tema. Sua escrita tem sido
fortemente influenciada por suas experiências de trabalho voluntário em Calcutá
(Índia), no Vietnam, Filipinas e no Reino Unido. Seu livro Return to Ribblestrop (2011) ganhou
o “Guardian Children’s Fiction Prize” entre um painel britânico de escritores
sobre crianças.
“Trash - A Esperança Vem do Lixo” (Trash/UK, Brasil, 2014) é
baseado nesse livro de Andy Mulligan. A ideia de ambientar a historia no
Brasil, no caso, no RJ, interessou ao diretor inglês Stephen Daldry (de “As
Horas”, “O Leitor”) e sua aproximação com o cineasta brasileiro Fernando
Meirelles e a empresa deste, O2, pesou na escolha do local da ação. Meireles
ajudou na seleção do elenco local, com um concurso de garotos não-atores de
onde saíram Rickson Tevez (Rafael), Eduardo Luis (Gardo) e Gabriel Weinstein
(Rato). Eles são, no filme, os meninos do lixão que acham uma carteira com
documentos e códigos que não conhecem, embora outros versados no fato saibam
que esses códigos incriminam políticos, enumeram doações para campanhas e
exponham a identidade de um político corrupto. O objeto foi jogado no lixo
quando o personagem se viu acuado pela policia. Mas a historia não é tão
simples: os policiais que buscam os documentos também possuem razões não
legais. Há interesses escusos no meio e a ideia é descobrir tudo isso. Quando
os policiais oferecem recompensa pelo objeto, o trio decide guardar a carteira
para entender o que está em jogo. Daí então as situações são divididas entre a
identificação do que há de precioso no objeto (afora o dinheiro que já
repartiram entre si), a fuga da perseguição dos policiais e, finalmente, o
desvendamento da motivação de tanta violência contra eles.
O roteiro é de Richard Curtis (de “4 Casamentos e 1 Funeral”) com
adaptação de Felipe Braga. Construir um roteiro exemplar não é para todos os
roteiristas e, no caso de “Trash”, não há exceção. O filme tem seus percalços.
Inicia evidenciando a atitude de Rafael (Tevez) com uma arma na mão e apontando
para alguém que não se vê, em seguida mostra-o num vídeo contando uma história
que será retomada quase no final e que explodirá nas redes sociais quando a
ação policial e de perseguição aos garotos já se corporificou no eixo da
exposição dos fatos evidenciados no meio do enredo. Flashbacks entregam as informações que ainda
estão fora de rumo - a situação de José Angelo/Wagner Moura - cujo protagonismo
se insinua como o principal na trama. Mas quem é? E sua ligação com Clemente
(Nelson Xavier) que é quem vai dar as dicas do código a desvendar a intriga da
corrupção? Esses e outros eventos trincam a ação explorada no roteiro.
Na verdade, a trama passa como uma fábula em que a realidade
nacional é apenas um detalhe na construção de um preceito moral que afiança a
falibilidade do mal desde que interpretado como a violência contra os menores
(não só em idade, mas, principalmente, em classe social). O epílogo, por
exemplo, dá a “moral” que afiança o bem estar de quem foi David na luta contra
um Golias mesmo se apossando de roubos.
Mas o que impressiona é a direção de arte, aproveitando o
“décor” natural e o desempenho da garotada. Os meninos brilham mais do que os
adultos, todos estereotipados (o padre de Martin Sheen, a professora de inglês
de Rooney Mara, e os dois ícones do cinema nacional, Wagner Moura e Selton
Mello).
Esperava-se
muito mais do diretor de nacionalidade inglesa 3 vezes candidato ao Oscar (por
“Billy Elliot”/2000, “As Horas”/2002 e “O Leitor”/2008). Stephen Daldry
realizou o seu menor trabalho, embora possivelmente o mais trabalhoso (ele
passou meses no Brasil acertando a produção). Impressionado com os protestos de
rua acontecidos em junho de 2013 quis impregnar a historia de um teor político
denunciando as falcatruas que seriam a causa das arruaças no tempo. Fez a sua
quota de denúncia à maneira do colega Danny Boyle (de “Quem quer ser um
Milionário?”). Mas acabou fazendo “mais um filme de favela”, um gênero que está
vendendo cinema nacional embora não se possa dizer que é novo (cf. “Gimba”,
1963). Há o clássico “5 Vezes Favela”(1963) que impulsionou o movimento “cinema
novo”. Os trabalhos dos nossos cineastas do passado exibiam mais sinceridade.
“Trash”, com mais recursos, endossa o que possa parecer popular hoje e por isso
mais comercial. Mas a julgar por aqui, a fórmula não pegou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário