quinta-feira, 23 de outubro de 2014

TRASH


Rickson Tevez é Rafael em "Trash", de Stephen Daldry

Em 2010, o escritor inglês de ficção infanto-juvenil Andy Mulligan, lançou “Trash”, seu quarto livro nesse tema. Sua escrita tem sido fortemente influenciada por suas experiências de trabalho voluntário em Calcutá (Índia), no Vietnam, Filipinas e no Reino Unido. Seu livro Return to Ribblestrop (2011) ganhou o “Guardian Children’s Fiction Prize” entre um painel britânico de escritores sobre crianças.
“Trash - A Esperança Vem do Lixo” (Trash/UK, Brasil, 2014) é baseado nesse livro de Andy Mulligan. A ideia de ambientar a historia no Brasil, no caso, no RJ, interessou ao diretor inglês Stephen Daldry (de “As Horas”, “O Leitor”) e sua aproximação com o cineasta brasileiro Fernando Meirelles e a empresa deste, O2, pesou na escolha do local da ação. Meireles ajudou na seleção do elenco local, com um concurso de garotos não-atores de onde saíram Rickson Tevez (Rafael), Eduardo Luis (Gardo) e Gabriel Weinstein (Rato). Eles são, no filme, os meninos do lixão que acham uma carteira com documentos e códigos que não conhecem, embora outros versados no fato saibam que esses códigos incriminam políticos, enumeram doações para campanhas e exponham a identidade de um político corrupto. O objeto foi jogado no lixo quando o personagem se viu acuado pela policia. Mas a historia não é tão simples: os policiais que buscam os documentos também possuem razões não legais. Há interesses escusos no meio e a ideia é descobrir tudo isso. Quando os policiais oferecem recompensa pelo objeto, o trio decide guardar a carteira para entender o que está em jogo. Daí então as situações são divididas entre a identificação do que há de precioso no objeto (afora o dinheiro que já repartiram entre si), a fuga da perseguição dos policiais e, finalmente, o desvendamento da motivação de tanta violência contra eles.
O roteiro é de Richard Curtis (de “4 Casamentos e 1 Funeral”) com adaptação de Felipe Braga. Construir um roteiro exemplar não é para todos os roteiristas e, no caso de “Trash”, não há exceção. O filme tem seus percalços. Inicia evidenciando a atitude de Rafael (Tevez) com uma arma na mão e apontando para alguém que não se vê, em seguida mostra-o num vídeo contando uma história que será retomada quase no final e que explodirá nas redes sociais quando a ação policial e de perseguição aos garotos já se corporificou no eixo da exposição dos fatos evidenciados no meio do enredo. Flashbacks entregam as informações que ainda estão fora de rumo - a situação de José Angelo/Wagner Moura - cujo protagonismo se insinua como o principal na trama. Mas quem é? E sua ligação com Clemente (Nelson Xavier) que é quem vai dar as dicas do código a desvendar a intriga da corrupção? Esses e outros eventos trincam a ação explorada no roteiro.
Na verdade, a trama passa como uma fábula em que a realidade nacional é apenas um detalhe na construção de um preceito moral que afiança a falibilidade do mal desde que interpretado como a violência contra os menores (não só em idade, mas, principalmente, em classe social). O epílogo, por exemplo, dá a “moral” que afiança o bem estar de quem foi David na luta contra um Golias mesmo se apossando de roubos.
Mas o que impressiona é a direção de arte, aproveitando o “décor” natural e o desempenho da garotada. Os meninos brilham mais do que os adultos, todos estereotipados (o padre de Martin Sheen, a professora de inglês de Rooney Mara, e os dois ícones do cinema nacional, Wagner Moura e Selton Mello).
Esperava-se muito mais do diretor de nacionalidade inglesa 3 vezes candidato ao Oscar (por “Billy Elliot”/2000, “As Horas”/2002 e “O Leitor”/2008). Stephen Daldry realizou o seu menor trabalho, embora possivelmente o mais trabalhoso (ele passou meses no Brasil acertando a produção). Impressionado com os protestos de rua acontecidos em junho de 2013 quis impregnar a historia de um teor político denunciando as falcatruas que seriam a causa das arruaças no tempo. Fez a sua quota de denúncia à maneira do colega Danny Boyle (de “Quem quer ser um Milionário?”). Mas acabou fazendo “mais um filme de favela”, um gênero que está vendendo cinema nacional embora não se possa dizer que é novo (cf. “Gimba”, 1963). Há o clássico “5 Vezes Favela”(1963) que impulsionou o movimento “cinema novo”. Os trabalhos dos nossos cineastas do passado exibiam mais sinceridade. “Trash”, com mais recursos, endossa o que possa parecer popular hoje e por isso mais comercial. Mas a julgar por aqui, a fórmula não pegou.


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