Há 42 anos, num 12 de novembro, a
coluna Panorama se instalava “de malas e bagagens” no jornal “O Liberal” recorrendo
ao apelo do dono, Rômulo Maiorana, que precisava de um crítico de cinema
permanente para ocupar espaço no segundo caderno. Se a tensão de dar conta de
escrever um texto diário sobre cinema & outras artes naquele momento era
própria de uma neófita que ousava se inscrever na vaga possivelmente de outras
pessoas que já haviam passado pela função de forma descontínua, o interesse da
aprendiz se baseava num tipo de coragem que até aquele momento minava a
preocupação da “jovem senhora” acostumada a assistir diariamente aos filmes. Ao
pleitear o cargo esperava condizer com a demanda do dono do jornal que sem
dúvida reconhecia quem estava “nos bastidores” da ação de enfrentar um trabalho
específico – um crítico de renome. No momento da assinatura do contrato de
trabalho, presente no escritório da empresa estava a esposa de um critico local
conhecido e com certeza esse foi o tom das evidências positivas da questão lógica
do empregador. Um nome inscrito legalmente, mas dois comprometidos com a nova
função que a partir daí O Liberal passaria a adotar.
Se foi assim o começo da carreira,
sem dúvida a avaliação da aprendiz que depositava em si a convicção de que
tinha qualidades próprias para assumir o emprego tornou-se obsessiva para
manter-se idônea e desativada de sua “sombra”. Mas àquela altura esta [sombra]
era mais forte e às vezes o traço luminoso interceptado tomava bases preconceituosas. Embora
de estilos e formas diferentes (a critica de um modo geral analisava o filme,
eu resumia a história), a escritura da coluna era sempre vista como produção do
marido. Na verdade, ao aceitar aquele emprego eu tinha consciência de que isso
iria ocorrer, mas havia tantas diferenças entre nós que a maledicência passava
ao largo sem ferir [tanto].
E em quarenta e dois anos, o que
mudou? A logística da coluna devido às inúmeras fases da própria imprensa
mundial e/ou dos assuntos mais candentes locais levou às mudanças mais diversas
na estatura do local de publicação, como também no tamanho, no formato, nos
hiatos súbitos em função de uma matéria publicitária que chegava em cima da
hora para aquela página. Esses aspectos fizeram parte de um processo de
aprendizagem pessoal porque o sentimento de vaidade profissional opera quando
levado por algumas instâncias dessas. Então, o abatimento forja-se nessas
motivações e a cada dia aprende-se um pouco da convivência tanto profissional
quanto da técnica pessoal de manter o equilíbrio em qualquer circunstância.
Acima de tudo, minha carreira
profissional neste jornal motivou grandes aspirações. A proximidade com o
interesse em avançar nos estudos acadêmicos me fez abraçar uma área que a meu
ver traria o que eu estava interessada que era a crítica social – o curso de
Ciências Sociais/UFPA. Vestibular, aprovação, matrícula nas disciplinas básicas
e depois afins, leituras de grandes teóricos dessa área das Ciências Humanas,
da área do cinema, das metodologias de pesquisa, enfim, foram muitos caminhos
abertos que deram embasamento para o meu olhar sobre o cinema. Considero que
mesmo no investimento em pós-graduação, levei comigo a integração com a minha
primeira área profissional. Em cada ponto aprendido na sociologia, na ciência
política na antropologia & afins, o cinema sempre esteve junto, sempre foi
um dos interlocutores intencionados pela minha convicção de que tudo se junta
se queremos ter esse olhar mais amplo da cultura e da vida.
Então, o que eu posso dizer hoje,
tempo de um marco profissional e existencial? Que as portas abertas por Rômulo
Maiorana para assumir uma coluna diária em um jornal já de circulação
expressiva, favoreceram as mudanças da vida de uma pessoa, àquela altura “dona
de casa” (nada contra) que sentiu que essa ousadia poderia ter eficácia se
houvesse investimentos pessoais. Com todas as incertezas que são comuns na vida
de cada um minha avaliação é de que vale a pena enfrentar caminhos desconhecidos
e aprender a andar. Os primeiros passos são essenciais às mudanças sonhadas. A
tendência é realizá-las.
(Texto originalmente publicado em "O Liberal", de 12/11/2014)
Parabens a voce
ResponderExcluirObrigada, Alex, com o carinho de sempre.
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ResponderExcluirA divulgação do cinema como arte, para além do entretimento, a formação de plateias mais críticas, a criação e a manutenção de espaços onde se pudesse ver filmes de qualidade em Belém, tudo isso se deve acima de tudo a um casal apaixonado pela sétima arte. Belém teve por décadas o luxo de ter a presença diária dele em um jornal e dela em outro. Pessoalmente, devo a eles a minha iniciação e formação como espectador, pois tive a sorte de estar próximo desse casal, de frequentar sua casa e de integrar a pequena plateia de um cinema na garagem de uma certa casa, grande e generosa, na avenida São Jerônimo. Hoje a casa não existe mais, as três meninas cresceram, mas o Cine Bandeirante, resiste, imaterial e eterno, como símbolo do amor de uma família pelo cinema. Viva os Álvares!
brigada, Jamil, por palavras tão carinhosas à nossa familia. Importante porque essa carreira teve a amplitude de um navegar coletivo. Beijo.
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