Roma do
final dos anos 50. Numa primeira sequencia “A Doce Vida” capta a estátua de
Jesus Cristo suspensa por um helicóptero sobrevoando a cidade de Roma, sendo
levada para o Vaticano. Jovens que tomam banho de sol no alto de um prédio
acenam para o que veem como um espetáculo fora do comum. Em outra sequencia observa-se
uma concorrida apresentação de uma menina que “fala com Nossa Senhora”. Muita
gente quer ver de perto a “santinha” como uma nova Bernadette de Soubirous
(Lourdes-França). Estes fatos são presenciados por um jornalista que se mostra
cada vez mais cético: Marcello Rubini (Marcello Mastroianni). Neste que é seu
“alter ego” Federico Fellini representa a sua versão de Roma quando já deixara
o jornalismo e se envolvera com o cinema. É o retrato em cinemascope de um
desencanto. Não só de uma apreciação de fatos que alimentam a descrença (não só
em termos de religião), mas a ideia de que a capital italiana reprisa a sua
performance do tempo dos Césares.
“A Doce Vida”
(La Dolce Vita, Italia, 1960) é um filme capital na filmografia de um dos mais
aclamados diretores da cinematografia em qualquer época. Ele deixava a
linguagem linear e a compaixão que envolvia suas carismáticas heroínas
Gelsomina e Cabíria, como dava uma outra forma aos distantes “vitellonis” que
circulavam na noite de Rimini sua terra natal, em “Os Boas-Vidas” (1953). Através
de seu Marcello (personagem a interprete) Fellini vê um novo contexto
alimentado pelo crescimento da economia e a reconstrução da Itália após o imediato
pós-guerra (o conflito terminara em 1945) com os aliados prevendo a formação de
um polo eficiente para o combate à ideologia comunista entre os países
europeus. Esse foi um momento em que a economia italiana floresceu suscitando um
tempo de demandas por maiores benefícios para a população rural – que migrava
para a cidade – e a população urbana alimentando-se das melhorias que foram
acontecendo no período. Cresce a classe média trazendo a efervescência cultural
com evidencia das artes, em especial, o cinema, com a Itália se tornando um
polo de circulação de astros e estrelas internacionais. Fellini foi um dos
beneficiados, visto que àquela altura já fora agraciado com dois Oscar de
Melhor Filme Estrangeiro (“La Strada”, 1954; e “Noites de Cabíria”, 1957) tendo
se tornado, então, um dos nomes de cinema dos mais celebrados.
E a pulsão
pelo momento que vive fortalece seu interesse em captar o modo como estava
vivendo aquele grupo entre os quais se vê incluído. Não sem motivo seu
alter-ego é um tipo chamado Marcelo que percorre espaços diversos, convive com
figuras de uma sociedade que está com seus valores em decadência. Vive momentos
de prazer efêmero, aspirando ser feliz.
O roteiro
de “La Dolce Vita”, elaborado pelo próprio Fellini teve o auxilio de Brunelo
Rondi, Tullio Pinelli, Ennio Flaiano e, embora sem referência nos créditos, Pier
Paolo Pasolini. A estrutura narrativa construída em episódios deixa mais frouxa
a composição dos elementos que irão circular em toda a extensão do filme,
acronológicos, sem nexo causal, usando Marcelo como narrador/observador participante/corifeu
dessa sociedade por onde circula de carro, sendo perseguido por Paparazzo
(Walter Santesso), o fotógrafo que o acompanha registrando a presença de
celebridades (é o tempo delas) na re-novação de um ambiente preparado para recebe-las.
Maddalena(Anouk Aimée) e Emma (Yvonne Forneaux) são as peças-chave de seu
envolvimento afetivo. Mas há outras e outros personagens que são introduzidos
pelos bastidores, aproveitando-se das entrevistas que coordena entre os quais com
pseudo-intelectuais, em busca de definir o que é a felicidade. Da presença da
Igreja ao papel do Estado definindo valores e atitudes na sociedade emerge a
crítica de Fellini a esse mundo que visita incorporado por Marcello.
Há momentos
marcantes em “La Dolce Vita”. O banho da estrela norte-americana (a sueca Anita
Ekberg) na Fonte de Trevi é um deles. Mas o que me ficou na época em que
assisti ao filme pela primeira vez foi a presença de Steiner (Alain Cuny),
filosofo que mata a família e se mata demonstrando sua descrença nos valores
humanos.
O filme
termina com uma alegórica visão de um pré-final da sociedade com pessoas saídas
de uma festa percorrendo a praia e a presença de um estranho peixe (leviatã?).
Nesse momento, Marcello vê uma jovem chamando por ele. Mas não a escuta e
prossegue andando com os demais festeiros. Sinal de um pessimismo que alguns
críticos viram então, na verdade, o endosso de todo o trabalho, um painel de
uma cidade e classe social num determinado tempo, de florescimento e de
delírios.
Excelente filme de Fellini, vi há algum tempo um reprise na cultura e no cinema vi no Olympia, aliás uma grande coicindencia, a Fontana de Trevi , foi reinaugurada essa semana
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