quinta-feira, 12 de novembro de 2015

NUMA ESCOLA EM HAVANA

Armando Valdes Freire é Chala, o pequeno-grande garoto com responsabilidades de adulto


A primeira sequencia do filme de Ernesto Serrano Daranas repercute uma visão simbólica do que será dado a conhecer sobre a situação diária de muitas crianças que transitam nas escolas entre a violência, a pobreza e, desta, a ausência de valores: uma pomba que espera levantar voo sendo dificultada a fazê-lo nesse ato.
“Numa Escola em Havana” (Conducta, 2014, Cuba, 100min.) expõe a dura realidade de crianças, especialmente na idade de Armando Valdes Freire, 11 anos, que atuou brilhantemente no filme ao lado de outros meninos e meninas e que personaliza Chala, filho de mãe (Yuliet Cruz) viciada em drogas e ajudando nas despesas de casa vendendo pombos e criando cães de briga para uma prática clandestina de enfrentamento em rinhas.
Rebelde com causa o menino é simpático à velha mestra Carmela (Alina Rodriguez) sua professora, tendo atitudes de convivência mais humana. À beira de aposentadoria e vitima de um enfarte, ela é quem luta para manter o menino na escola, pois a direção prefere manda-lo para um colégio de conduta, ou seja, o equivalente, no Brasil a um reformatório. Dentre os amigos de Chala está a garota Yeni (Amaly Junco) também com sérios problemas familiares. O filme não pretende avaliar a educação em específico, com o eixo determinante do enfoque considerando dois tipos de tratamento pela escola, a formal e a dinâmica processual quando está em jogo a relevância dos comportamentos levando em conta a vivência total do aluno e não atitudes esporádicas.
É de reconhecimento mundial a qualidade do ensino em Cuba, sendo considerado pela ONU como o único país latino-americano a cumprir a meta do Programa Educação Para Todos (EPT). Compara-se, ainda, ao sistema educacional de países como a Finlândia e a França onde a profissão de educador é tratada com grande atenção. O filme valoriza-se por dar atenção aos problemas sociais e emblemas burocráticos que as crianças cubanas enfrentam, observando-se, também, entre as brasileiras.
O enfoque do diretor e roteirista Ernesto Daranas é primoroso não só na abordagem de um fato social dramático como na construção cinematográfica, numa fotografia expressiva de Alejandro Perez (com 10 títulos no currículo) que usa primordialmente a luz ambiente (filmagem durante o dia), fato que procede a uma profundidade de campo a realçar os espaços filmados (nada de construção em set) contrapondo o comportamento de um vasto elenco, especialmente a atuação dos pequenos alunos de Carmela, meninos e meninas com uma expressividade a sugerir a impressão de um documentário.
O filme não quer ser um quadro politico e não sugeriu censura do governo Fidel Castro. A preocupação intrínseca é sobre a origem dos problemas sociais acarretando evidencias de marginalização e violência se algumas atitudes formais vierem a se constituir em exclusão como é o caso de Chala que embora expresse agressividade revidando agressões que ele e seus colegas sofrem dos outros é o responsável pela sua família reduzida à mãe que precisa de atenção e de quem coloque o alimento dentro de casa. Mas esse aspecto só é contornado por Carmela que conhece os meandros da potencialidade escolar e de afetos do garoto e investe nisso para acalmar a burocracia da escola seguidora das frias leis que determinam o formato dos comportamentos. Carmela também conhece o drama de Yeni cujo problema familiar é mais grave porque deveria ser matriculada em uma outra escola haja vista que não pertence ao distrito da que frequenta, mas onde o seu pai arranjou emprego. A velha professora enfrenta o Estado representado pela “especialista municipal” Raquel (Silvia Áquila) que está segura de suas atitudes e convicta de que a solução para os dois casos é formal e não de avaliação social. Dai porque ao repreender a atitude da velha mestra Carmela diz-lhe que ela já está há muito tempo em sala de aula e precisa se aposentar, com a educadora retrucando: “E quem governa esse país, também acha que está há tempo demais?”.
Há momentos em que Daranas sintetiza o drama de seu pequeno personagem. O momento em que ele vê retirarem o seu cão de estimação morto na arena de luta entre cães. O roteiro exige muito do pequeno interprete. Há planos próximos dele contendo as lagrimas ao falar com a professora. Como também na ajuda à colega que ama, e ao amigo cujo pai foi preso por questões políticas. Esta aproximação da câmera se dá, também, sobre Carmela/Alina Rodriguez, exigindo da atriz expressões indicativas de sofrimento físico e moral.
O bairro pobre de Havana é percorrido também por essa câmera sem que se abuse da filmagem manual. A moda de usar câmeras leves e exigir com isso a ideia de que se grava a realidade é contida por uma direção que soube o que quis e fez.

Nós, de Belém, praticamente desconhecemos o cinema cubano. E somente no circuito alternativo ele tem vez. E olhem que nesse país há uma escola de cinema das mais importantes da América Latina e por que não dizer, também, do plano mundial. Filme imperdível. 

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