A atriz sueca Alicia Vikander é Vera Brittain em "Juventudes Roubadas"
A guerra é sempre um
eixo importante do cinema para repassar experiências de vida. Mas em se
tratando de mulheres na guerra o foco geralmente segue os livros oficiais sobre
o relato dos conflitos tendendo a revelar o percurso masculino da luta armada. Se
o livro ou o filme são romances, há sempre o amor perdido nas batalhas
sangrentas. Se a História é visitada saltam como figurantes os que mantém o
poder de decidir todas as estratégias que se inscrevem nas negociações de
enfrentamento nos campos de batalha, os líderes masculinos que foram “ensinados”
para esse tipo de experiência.
No caso das
personagens femininas, geralmente são apresentadas ou a espera do namorado que
morre nas trincheiras ou participando das frentes hospitalares tratando da
saúde dos combatentes feridos.
O preâmbulo evidencia o tratamento que
foi dado ao livro autobiográfico de Vera Brittain (1893-1970) escritora pacifista
e feminista que participou da I Guerra Mundial como enfermeira e viu morrer no
conflito seus amigos de infância Victor e Geoffrey, além de seu namorado Roland,
e o irmão Edward. Traumatizada, ela, que havia sido aceita na Universidade de
Oxford, escreveu um livro que cedo se tornou um clássico, “Testament of Youth”.
O drama desta mulher e das pessoas a seu redor rendeu uma série de TV em 1979,
um documentário (também para a TV) em 2008 e, no ano passado, um filme dirigido
por James Kent, cineasta também de TV, utilizando-se de uma dedicada
interpretação da atriz sueca Alicia Vikander (de “O Amante da Rainha”, “Ana
Karenina” e “O 5°Poder”). O filme “Juventudes Roubadas” (título original do
livro, “Testament of Youth) não circulou nos cinemas locais e agora chega em
DVD.
Uma narrativa simples parte do dia do
armistício da I Guerra, em 1918, com a câmera manual acompanhando Vera, caminhando
entre a multidão que festeja nas ruas o acontecimento. A sua tristeza segue nas
cenas seguintes, quando, na universidade, passa a escrever a sua história. Um
longo flashback vai da juventude, quando ela, o irmão e os amigos desafiam as
ratazanas e se metem na agua de um riacho sendo ela a primeira a mergulhar.
Segue-se a pintura do temperamento de Vera que renega o presente do pai, um
piano, concentrando seu ideal em cursar a escola superior em Oxford, um desejo
que a família não aceitava devido à quebra com a imagem tradicional das
mulheres de sua época. É o momento em que se define a forte personalidade da
jovem inglesa seguindo-se o romance interrompido quando o namorado se inscreve
entre os combatentes na guerra, e em seguida os demais amigos que estiveram com
ela nas brincadeiras de juventude, ressaltando-se o memorável banho de rio.
Quando sabe da morte de seu noivo Roland,
a estudante Vera resolve ir para perto do conflito armado, em território
francês, onde chega a encontrar o irmão ferido a quem trata, mas uma vez curado
este retorna ao campo de batalha.
Um discurso da personagem no pós-guerra,
quando se evidencia um sentimento de vingança dos ingleses contra os alemães,
com ela dizendo que tratou de um soldado alemão (e o sangue e a dor são os
mesmos), define a sua índole pacifista que seria seguida no segundo grande
conflito quando já não se vê no filme e se sabe por legendas posteriores que
ela casou, teve dois filhos, e faleceu nos anos 1970.
Uma produção vultuosa com uma soberba direção de arte, mostra os bastidores da guerra como
poucas vezes se viu no cinema. E as interpretações ajudam no resultado emotivo
que chega a todos os espectadores sem ranço melodramático.
A narrativa comportada e o tom seco da
exposição dos fatos favorecem os grandes arroubos em que circula Vera. De uma
classe média alta o enfoque do filme traduz o relacionamento familiar exigente
que apresenta o pai, enfrentando as regras sociais que decidiam seu destino
como mulher. Estudar em uma escola superior (“para homens”, como diziam), escrever,
ter ideias próprias tornaram a jovem uma pessoa que era criticada pela
burocracia de Oxford por demonstrar sua convicção nos princípios que ela
própria considerava ser um norte para seus interesses pessoais. Tanto que ao
optar pela ajuda humanitária nos hospitais deixando a universidade para depois,
sofreu críticas severas dos superiores. Esse caráter firme de uma mulher
naquela época em que os papéis femininos já estavam traçados foi muito bem
capturado pelo diretor James Kent com roteiro de Juliette Towhidi.
Um belo filme.
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