terça-feira, 1 de dezembro de 2015

JUVENTUDES ROUBADAS



A atriz sueca Alicia Vikander é Vera Brittain em "Juventudes Roubadas"


      A guerra é sempre um eixo importante do cinema para repassar experiências de vida. Mas em se tratando de mulheres na guerra o foco geralmente segue os livros oficiais sobre o relato dos conflitos tendendo a revelar o percurso masculino da luta armada. Se o livro ou o filme são romances, há sempre o amor perdido nas batalhas sangrentas. Se a História é visitada saltam como figurantes os que mantém o poder de decidir todas as estratégias que se inscrevem nas negociações de enfrentamento nos campos de batalha, os líderes masculinos que foram “ensinados” para esse tipo de experiência.
        No caso das personagens femininas, geralmente são apresentadas ou a espera do namorado que morre nas trincheiras ou participando das frentes hospitalares tratando da saúde dos combatentes feridos.
O preâmbulo evidencia o tratamento que foi dado ao livro autobiográfico de Vera Brittain (1893-1970) escritora pacifista e feminista que participou da I Guerra Mundial como enfermeira e viu morrer no conflito seus amigos de infância Victor e Geoffrey, além de seu namorado Roland, e o irmão Edward. Traumatizada, ela, que havia sido aceita na Universidade de Oxford, escreveu um livro que cedo se tornou um clássico, “Testament of Youth”. O drama desta mulher e das pessoas a seu redor rendeu uma série de TV em 1979, um documentário (também para a TV) em 2008 e, no ano passado, um filme dirigido por James Kent, cineasta também de TV, utilizando-se de uma dedicada interpretação da atriz sueca Alicia Vikander (de “O Amante da Rainha”, “Ana Karenina” e “O 5°Poder”). O filme “Juventudes Roubadas” (título original do livro, “Testament of Youth) não circulou nos cinemas locais e agora chega em DVD.
      Uma narrativa simples parte do dia do armistício da I Guerra, em 1918, com a câmera manual acompanhando Vera, caminhando entre a multidão que festeja nas ruas o acontecimento. A sua tristeza segue nas cenas seguintes, quando, na universidade, passa a escrever a sua história. Um longo flashback vai da juventude, quando ela, o irmão e os amigos desafiam as ratazanas e se metem na agua de um riacho sendo ela a primeira a mergulhar. Segue-se a pintura do temperamento de Vera que renega o presente do pai, um piano, concentrando seu ideal em cursar a escola superior em Oxford, um desejo que a família não aceitava devido à quebra com a imagem tradicional das mulheres de sua época. É o momento em que se define a forte personalidade da jovem inglesa seguindo-se o romance interrompido quando o namorado se inscreve entre os combatentes na guerra, e em seguida os demais amigos que estiveram com ela nas brincadeiras de juventude, ressaltando-se o memorável banho de rio.
      Quando sabe da morte de seu noivo Roland, a estudante Vera resolve ir para perto do conflito armado, em território francês, onde chega a encontrar o irmão ferido a quem trata, mas uma vez curado este retorna ao campo de batalha.
      Um discurso da personagem no pós-guerra, quando se evidencia um sentimento de vingança dos ingleses contra os alemães, com ela dizendo que tratou de um soldado alemão (e o sangue e a dor são os mesmos), define a sua índole pacifista que seria seguida no segundo grande conflito quando já não se vê no filme e se sabe por legendas posteriores que ela casou, teve dois filhos, e faleceu nos anos 1970.
      Uma produção vultuosa com uma soberba direção de arte, mostra os bastidores da guerra como poucas vezes se viu no cinema. E as interpretações ajudam no resultado emotivo que chega a todos os espectadores sem ranço melodramático.
      A narrativa comportada e o tom seco da exposição dos fatos favorecem os grandes arroubos em que circula Vera. De uma classe média alta o enfoque do filme traduz o relacionamento familiar exigente que apresenta o pai, enfrentando as regras sociais que decidiam seu destino como mulher. Estudar em uma escola superior (“para homens”, como diziam), escrever, ter ideias próprias tornaram a jovem uma pessoa que era criticada pela burocracia de Oxford por demonstrar sua convicção nos princípios que ela própria considerava ser um norte para seus interesses pessoais. Tanto que ao optar pela ajuda humanitária nos hospitais deixando a universidade para depois, sofreu críticas severas dos superiores. Esse caráter firme de uma mulher naquela época em que os papéis femininos já estavam traçados foi muito bem capturado pelo diretor James Kent com roteiro de Juliette Towhidi.
      Um belo filme.


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