terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

CINEMA E OLHAR(ES)

Jean-Luc Godard  e a criação das mudanças. No cinema. 

A ação de olhar tem formas próprias de construir as representações sobre o objeto focado. E nessa perspectiva criam-se hábitos visuais sempre buscando a ideia e o “algo novo” que podem surgir na criação do objeto.
O olhar para as imagens do cinema reflete essa forma de observar mais detidamente a narrativa. Mesmo quando o público é bombardeado de dados recorrentes. Como se observa na explosão dos filmes do “cinemão” norte americano que tende a “fazer a cabeça” de todo mundo. A expectativa coletiva é a de uma só dimensão narrativa para qualquer filme que seja visto e quando esta dimensão foge da sintonia que garantiu o hábito deste olhar a variação da composição dos elementos não é aceita. Assim, a tendência é dizer que se gosta ou não gosta do filme dependendo da nossa experiência vivida.
A leitura dos filmes de Jean-Luc Godard não é considerada “digerível” como é dito usualmente para expressar o contraponto com a forma narrativa dos filmes em geral. À medida que as suas experiências são focadas na linguagem traduzindo as ideias em planos visuais ele vai aplicando seu modo próprio de verificar o fenômeno. Em “O Acossado” (À Bout de Soufle, 1959) que foi o primeiro longa-metragem dirigido por ele, protagonizado por Jean-Paul Belmondo e Jean Seberg, com participação de Claude Chabrol (crítico e diretor de cinema), o episódio tratado é em sua aparência um thriller, um filme de gangsteres, dito pelo próprio Godard num depoimento em uma mesa redonda, em 1968. E acrescenta: “Quando eu o vi pela primeira vez, compreendi que havia feito uma coisa totalmente diferente. Eu pensava que filmava o filho de Scarface ou o retorno de Scarface e compreendi que havia feito Alice no País das Maravilhas, mais ou menos”.
Na leitura visual desse filme, diz Roman Gubern (Godard Polémico, Barcelona, 1974): “Godard introduziu no cinema e em nossa sensibilidade novas propostas e estruturas plásticas que estavam muito mais próximas à linguagem da reportagem, da publicidade, dos comics ou da televisão diretamente. Mas como principais, destacam-se todas as situações de quebra de paradigma e enfrentamento de tabus, como os cortes abruptos sem continuidade, os saltos de eixo que também confundem o acompanhamento espacial da cena, e o olhar que a personagem dirige à câmera na última cena, coisa que não se via no cinema em geral”.
Exemplificando com a suposta linguagem radical do cinema de Godard, me inspiro para avaliar os olhares habituais que se tem para classificar certos filmes que circulam e que se tornam os nossos programas. Em sua maioria não temos o que dizer de modos criativos aplicados nos filmes comerciais. Estes levam em conta a sedução de espectadores procurando manter os que já são usuais e atrair outros tipos que se empolguem com a trama, com os personagens, com a maneira linear de estabelecer a montagem das peças, haja vista que a dialética formada pela desconexão destas às vezes repercute como ininteligível.
E dessa forma estes programas vão criando maneiras de aceitar ou não outras formas de narrativa. Alguns se tornam os propulsores do cine-indústria mais propensos à produtividade cada vez maior de cópias para conseguir a comercialização mundial. Expande-se o mercado e o formato das mentes e da cultura cinematográfica vista em uma composição uniforme. Premiações, arrecadação de lucro, formação de hábitos são valores residentes na maneira de imposição subliminar haja vista que nem sempre se sabe aonde começou o gosto pessoal por certo tipo de filme.
Aspectos importantes no olhar sobre os filmes que se assiste vejo, principalmente, privilegiar o modo como os padrões paradigmáticos são quebrados, os tabus são enfrentados, as maneiras singulares de montagem com cortes descontínuos traduzindo símbolos, mescla de tempos, de cenas, de sequência, desmontagem de heróis ou produção de anti-heróis, conjunto de formas que desmontam o sistema instituído e tendem a flexão da mudança. É difícil a aceitação deste “dever de casa”? Sem dúvida. O importante é começar.  


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