Jean-Luc Godard e a criação das mudanças. No cinema.
A
ação de olhar tem formas próprias de construir as representações sobre o objeto
focado. E nessa perspectiva criam-se hábitos visuais sempre buscando a ideia e
o “algo novo” que podem surgir na criação do objeto.
O
olhar para as imagens do cinema reflete essa forma de observar mais detidamente
a narrativa. Mesmo quando o público é bombardeado de dados recorrentes. Como se
observa na explosão dos filmes do “cinemão” norte americano que tende a “fazer
a cabeça” de todo mundo. A expectativa coletiva é a de uma só dimensão
narrativa para qualquer filme que seja visto e quando esta dimensão foge da
sintonia que garantiu o hábito deste olhar a variação da composição dos
elementos não é aceita. Assim, a tendência é dizer que se gosta ou não gosta do
filme dependendo da nossa experiência vivida.
A
leitura dos filmes de Jean-Luc Godard não é considerada “digerível” como é dito
usualmente para expressar o contraponto com a forma narrativa dos filmes em
geral. À medida que as suas experiências são focadas na linguagem traduzindo as
ideias em planos visuais ele vai aplicando seu modo próprio de verificar o
fenômeno. Em “O Acossado” (À Bout de Soufle, 1959) que foi o primeiro
longa-metragem dirigido por ele, protagonizado por Jean-Paul Belmondo e Jean
Seberg, com participação de Claude Chabrol (crítico e diretor de cinema), o
episódio tratado é em sua aparência um thriller, um filme de gangsteres, dito
pelo próprio Godard num depoimento em uma mesa redonda, em 1968. E acrescenta:
“Quando eu o vi pela primeira vez, compreendi que havia feito uma coisa
totalmente diferente. Eu pensava que filmava o filho de Scarface ou o retorno
de Scarface e compreendi que havia feito Alice no País das Maravilhas, mais ou
menos”.
Na
leitura visual desse filme, diz Roman Gubern (Godard Polémico, Barcelona,
1974): “Godard introduziu no cinema e em nossa sensibilidade novas propostas e
estruturas plásticas que estavam muito mais próximas à linguagem da reportagem,
da publicidade, dos comics ou da televisão diretamente. Mas como principais, destacam-se
todas as situações de quebra de paradigma e enfrentamento de tabus, como os
cortes abruptos sem continuidade, os saltos de eixo que também confundem o
acompanhamento espacial da cena, e o olhar que a personagem dirige à câmera na
última cena, coisa que não se via no cinema em geral”.
Exemplificando
com a suposta linguagem radical do cinema de Godard, me inspiro para avaliar os
olhares habituais que se tem para classificar certos filmes que circulam e que
se tornam os nossos programas. Em sua maioria não temos o que dizer de modos
criativos aplicados nos filmes comerciais. Estes levam em conta a sedução de
espectadores procurando manter os que já são usuais e atrair outros tipos que
se empolguem com a trama, com os personagens, com a maneira linear de
estabelecer a montagem das peças, haja vista que a dialética formada pela
desconexão destas às vezes repercute como ininteligível.
E
dessa forma estes programas vão criando maneiras de aceitar ou não outras
formas de narrativa. Alguns se tornam os propulsores do cine-indústria mais
propensos à produtividade cada vez maior de cópias para conseguir a
comercialização mundial. Expande-se o mercado e o formato das mentes e da
cultura cinematográfica vista em uma composição uniforme. Premiações,
arrecadação de lucro, formação de hábitos são valores residentes na maneira de
imposição subliminar haja vista que nem sempre se sabe aonde começou o gosto
pessoal por certo tipo de filme.
Aspectos
importantes no olhar sobre os filmes que se assiste vejo, principalmente,
privilegiar o modo como os padrões paradigmáticos são quebrados, os tabus são
enfrentados, as maneiras singulares de montagem com cortes descontínuos
traduzindo símbolos, mescla de tempos, de cenas, de sequência, desmontagem de
heróis ou produção de anti-heróis, conjunto de formas que desmontam o sistema
instituído e tendem a flexão da mudança. É difícil a aceitação deste “dever de
casa”? Sem dúvida. O importante é começar.
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