Michael Rezendes (Mark Ruffalo), Sacha Pfeiffer (Rachel McAdams) e
Matty Carroll (Brian d'Arcy James) e Walter Robinson (Michael Keaton), elenco do filme.
O cinema tem sido
pródigo em apresentar dramas focando o jornalismo como centro de atenção, a
exemplo: “A Montanha dos Sete Abutres” (1951), “A Primeira Página” (1974)
“Todos os Homens do Presidente” (1976), “Boa Noite, Boa Sorte” (2005),
“Frost/Nixon” (2008), “O Quarto Poder” (1997) “Milênio - Os Homens que amavam
as Mulheres” (2011), e muitos outros em suas especificidades, além do clássico
que não se pode deixar de citar, “Cidadão Kane” (1941).
A investigação
jornalística traduzida nesses filmes apresenta os ciclos em que a imprensa
incorporava as estratégias tecnológicas próprias da época e chegava ao público
em dramas instigantes, traduzindo-se na busca da verdade sobre os fatos
investigados e incorporados por Hollywood.
Em tese, o jornalismo
requer independência, imparcialidade e autodeterminação além de criatividade sobre
os fatos, mesmo que estes possam ferir susceptibilidades próximas. Requer
reflexão sobre as coisas do mundo público e privado aplicando-se a prática da
investigação sobre os bastidores da notícia com a busca de dados numa exigente averiguação.
O filme “Spotlight -
Segredos Revelados” (recentemente vencedor do Oscar na categoria de melhor
filme 2016) tem base em uma história real que deu origem ao livro, vencedor do Prêmio
Pulitzer de Serviço Público, em 2003. Foi escrito pelos profissionais que
participaram da apuração do caso. O roteiro de Joseph Singer e do também
diretor Tom McCarthy tem maior aproximação narrativa com “Todos os Homens do
Presidente”. Trata dos meandros de um jornalismo de rotina que é seguido pela
equipe do Spotlight, caderno especializado em furos jornalísticos do “Boston
Globe”, onde transitam, de forma integrada, com funções especificadas, os
responsáveis pela editoria e demais focos de noticiais: Michael Rezendes (Mark
Ruffalo), Sacha Pfeiffer (Rachel McAdams) e Matty Carroll (Brian d'Arcy James),
chefiados pelo editor Walter Robinson (Michael Keaton).
Mas um novo editor do
jornal vindo da cidade de Miami, Martin Baron (Liev Schreiber), ao ler em uma
coluna que o advogado, Mitchell Garabedian (Stanley Tucci), denunciara o
Arcebispo de Boston, Cardeal Law (Len Cariou), de saber que o padre John
Geoghan abusava sexualmente de crianças e deixou de punir o acusado, esse
editor demanda que o time Spotlight investigue o caso. Ele está preocupado com
o baixo interesse dos leitores (o ano é 2001) e considera uma motivação eficaz para
chamar a atenção do público impulsionar a tarefa de pesquisar o assunto avaliando
as fontes e identificando o número de assédios e os acusados do crime em tempo
real limitado.
O filme não se deixa
levar por uma linha novelesca preferindo o tom de uma reportagem sobre
reportagens, lembrando um pouco “Todos os Homens do Presidente”, de Alan
Pakula.
Michael Keaton
protagoniza o repórter que tivera em mãos um relatório inicial revelando fatos
no passado e os omitiu. No momento em que emerge a necessidade de rever esses
fatos, ele é encarregado de ressuscitar o tema e ganha reforço da equipe que
com ele trabalha, evidenciando-se o colega muito bem interpretado por Mark
Ruffalo. Este e a companheira de redação Sacha passam a entrevistar os
operadores do Direito encarregados do caso, além das vítimas de agressão sexual
(então adultos) por padres de diversas paroquias do local (Boston) com o número
de casos que aflora surpreendendo a todos.
O resultado da
investigação/reportagem teve como consequência, as evidências de algumas
estratégias políticas da Igreja católica local, como a transferência dos padres
pedófilos para outras paróquias e até uma autoridade religiosa afastada para
Roma (podendo ser visto, até mesmo como promoção).
Sempre corajoso na sua
objetividade, o filme é desses que saúda o melhor do jornalismo e denuncia um
velho drama que, no final da projeção, sistematiza os vários casos de pedofilia
ocorrentes nos anos de silêncio mostrando o número de países em que houve a
ocorrência desses fatos.
A narrativa proposta no
filme, observada desde o início, parte do enfoque das salas dos editores,
demonstrando como se constroem, nas redações de jornais, a pauta dos fatos a se
transformarem em notícias investigadas e publicadas, assegurando-se a relação
entre o interesse do público e a expertise dos jornalistas. É nesse tom que se
expõe a proposta de mudança do foco de uma rotina gasta para o desdobramento de
um fato que se transforma no grande mote que aos poucos vai envolvendo e
interessando a equipe do caderno especial do jornal. Até o tempo entre o
conhecimento do fato e o período de investigação dos dados de sustentação da
notícia-reportagem são considerados no filme. E é nesse percurso que o processo
narrativo vai se abrindo de forma instigativa, ao interesse do espectador.
Criar uma notícia em cima de dados que não emergem devido ao desinteresse
proposital dos personagens envolvidos e instituições investigadas que fecham as
portas para o não desvendamento se torna, então, o desafio para a equipe que
trabalha integrada em busca de provas – essa também a grande sentença do caso.
O outro elemento é o tempo de trabalho, os novos personagens que entram em cena
e as vertentes abertas na investigação inicial que tende a levar para grandes
dramas, marcantes na odisseia de uma outra figura que se evidencia como o nervo
do assunto - as vítimas. Novos encaixes no método inicial aplicado e
estratégias que dilacerem os cadeados tão rigidamente convertidos em legalidade,
a exemplo, a descoberta, por um dos membros da equipe do Spotlight, de que um
certo processo já havia se tornado público, portanto, desnecessária a exigência
de um juiz sobre a licença a ser dada para que este processo fosse consultado.
O filme aponta os
meandros da vida dos jornalistas, mostrando as revelações a que chegam e que
afetam o seu passado e a sua emoção. Vasculha a vida das vítimas e demonstra o
quanto as denúncias se tornam dimensionadas pelas situações de classe social.
Desencadeia a retração da alta sociedade e de pessoas importantes da cidade de
Boston. Quebram-se amizades, reinquirem-se figuras que viveram o tempo das
primeiras denúncias e se fecharam por não reconhecerem mais o sentido da
justiça aos transgressores. E aponta, no momento atual, quantas vítimas ainda
são recolhidas e afastadas dos espaços de pedofilia da instituição denunciada
(essa é uma das últimas sequencias do filme).
Com sua linearidade,
envolve o uso dos recursos de formato clássico, uma trilha sonora sem
ostentação revelando as múltiplas revelações do roteiro e um brilhante elenco
que a cada momento vai deixando marcas de seu
desempenho sobre o tipo de estratégia que aplica embora encadeado com os
outros colegas de investigação.
Esse modo de impactar
gradualmente as sequencias, cria no espectador o olho mágico que acompanha os
jornalistas dentro e fora da redação, quer nas caminhadas de espera nos
gabinetes, na pressa no trânsito sempre tenso, mostrando de que forma um
profissional consciente trabalha a sua reportagem. Não livra a responsabilidade
do editor (Robinson/Keaton) que havia empacotado, anos antes, o relatório que
hoje é recuperado do meio das traças do arquivo morto. Mas acima de tudo aponta
para a hipocrisia de uma parte dos membros da Igreja, da burocracia jurídica e
dos detentores de altos cargos sociais que tentam emparedar os fatos.
Com pouco mais de duas
horas de projeção, “Spotlight” denuncia o assédio sexual de padres, mas é
incisivo num detalhe: mostra o quanto pode ser imparcial e justo o profissional
do jornalismo. Mesmo que a denúncia a que levam os dados encontrados o tornem receoso
de enfrentar a sociedade que escamoteia a verdade. Para ser coerente comigo
mesma, percebi uma ausência: o papel do empresário dono do jornal na publicação
da reportagem. Mas aí seria um outro filme. Vamos esperar.
Oi, Luzia!
ResponderExcluirSó assisti recentemente, graças à net. Bom filme esse Spotlight, prende a atenção, mas o final me decepcionou/frustrou, embora siga o livro. Afinal a imprensa denuncia, mas as vítimas, pobres coitadas!, continuam vítimas, e aos algozes parece nada acontecer, pois usam mil recursos para se manterem impunes. Até parece que vítima será sempre, e para sempre, vítima.
Abraço,
Ricardo Secco