domingo, 13 de março de 2016

SPOTLIGHT- SEGREDOS REVELADOS



Michael Rezendes (Mark Ruffalo), Sacha Pfeiffer (Rachel McAdams) e Matty Carroll (Brian d'Arcy James) e Walter Robinson (Michael Keaton), elenco do filme.

O cinema tem sido pródigo em apresentar dramas focando o jornalismo como centro de atenção, a exemplo: “A Montanha dos Sete Abutres” (1951), “A Primeira Página” (1974) “Todos os Homens do Presidente” (1976), “Boa Noite, Boa Sorte” (2005), “Frost/Nixon” (2008), “O Quarto Poder” (1997) “Milênio - Os Homens que amavam as Mulheres” (2011), e muitos outros em suas especificidades, além do clássico que não se pode deixar de citar, “Cidadão Kane” (1941).
A investigação jornalística traduzida nesses filmes apresenta os ciclos em que a imprensa incorporava as estratégias tecnológicas próprias da época e chegava ao público em dramas instigantes, traduzindo-se na busca da verdade sobre os fatos investigados e incorporados por Hollywood.
Em tese, o jornalismo requer independência, imparcialidade e autodeterminação além de criatividade sobre os fatos, mesmo que estes possam ferir susceptibilidades próximas. Requer reflexão sobre as coisas do mundo público e privado aplicando-se a prática da investigação sobre os bastidores da notícia com a busca de dados numa exigente averiguação.
O filme “Spotlight - Segredos Revelados” (recentemente vencedor do Oscar na categoria de melhor filme 2016) tem base em uma história real que deu origem ao livro, vencedor do Prêmio Pulitzer de Serviço Público, em 2003. Foi escrito pelos profissionais que participaram da apuração do caso. O roteiro de Joseph Singer e do também diretor Tom McCarthy tem maior aproximação narrativa com “Todos os Homens do Presidente”. Trata dos meandros de um jornalismo de rotina que é seguido pela equipe do Spotlight, caderno especializado em furos jornalísticos do “Boston Globe”, onde transitam, de forma integrada, com funções especificadas, os responsáveis pela editoria e demais focos de noticiais: Michael Rezendes (Mark Ruffalo), Sacha Pfeiffer (Rachel McAdams) e Matty Carroll (Brian d'Arcy James), chefiados pelo editor Walter Robinson (Michael Keaton).
Mas um novo editor do jornal vindo da cidade de Miami, Martin Baron (Liev Schreiber), ao ler em uma coluna que o advogado, Mitchell Garabedian (Stanley Tucci), denunciara o Arcebispo de Boston, Cardeal Law (Len Cariou), de saber que o padre John Geoghan abusava sexualmente de crianças e deixou de punir o acusado, esse editor demanda que o time Spotlight investigue o caso. Ele está preocupado com o baixo interesse dos leitores (o ano é 2001) e considera uma motivação eficaz para chamar a atenção do público impulsionar a tarefa de pesquisar o assunto avaliando as fontes e identificando o número de assédios e os acusados do crime em tempo real limitado.
O filme não se deixa levar por uma linha novelesca preferindo o tom de uma reportagem sobre reportagens, lembrando um pouco “Todos os Homens do Presidente”, de Alan Pakula.
Michael Keaton protagoniza o repórter que tivera em mãos um relatório inicial revelando fatos no passado e os omitiu. No momento em que emerge a necessidade de rever esses fatos, ele é encarregado de ressuscitar o tema e ganha reforço da equipe que com ele trabalha, evidenciando-se o colega muito bem interpretado por Mark Ruffalo. Este e a companheira de redação Sacha passam a entrevistar os operadores do Direito encarregados do caso, além das vítimas de agressão sexual (então adultos) por padres de diversas paroquias do local (Boston) com o número de casos que aflora surpreendendo a todos.
O resultado da investigação/reportagem teve como consequência, as evidências de algumas estratégias políticas da Igreja católica local, como a transferência dos padres pedófilos para outras paróquias e até uma autoridade religiosa afastada para Roma (podendo ser visto, até mesmo como promoção).
Sempre corajoso na sua objetividade, o filme é desses que saúda o melhor do jornalismo e denuncia um velho drama que, no final da projeção, sistematiza os vários casos de pedofilia ocorrentes nos anos de silêncio mostrando o número de países em que houve a ocorrência desses fatos.
A narrativa proposta no filme, observada desde o início, parte do enfoque das salas dos editores, demonstrando como se constroem, nas redações de jornais, a pauta dos fatos a se transformarem em notícias investigadas e publicadas, assegurando-se a relação entre o interesse do público e a expertise dos jornalistas. É nesse tom que se expõe a proposta de mudança do foco de uma rotina gasta para o desdobramento de um fato que se transforma no grande mote que aos poucos vai envolvendo e interessando a equipe do caderno especial do jornal. Até o tempo entre o conhecimento do fato e o período de investigação dos dados de sustentação da notícia-reportagem são considerados no filme. E é nesse percurso que o processo narrativo vai se abrindo de forma instigativa, ao interesse do espectador. Criar uma notícia em cima de dados que não emergem devido ao desinteresse proposital dos personagens envolvidos e instituições investigadas que fecham as portas para o não desvendamento se torna, então, o desafio para a equipe que trabalha integrada em busca de provas – essa também a grande sentença do caso. O outro elemento é o tempo de trabalho, os novos personagens que entram em cena e as vertentes abertas na investigação inicial que tende a levar para grandes dramas, marcantes na odisseia de uma outra figura que se evidencia como o nervo do assunto - as vítimas. Novos encaixes no método inicial aplicado e estratégias que dilacerem os cadeados tão rigidamente convertidos em legalidade, a exemplo, a descoberta, por um dos membros da equipe do Spotlight, de que um certo processo já havia se tornado público, portanto, desnecessária a exigência de um juiz sobre a licença a ser dada para que este processo fosse consultado.
O filme aponta os meandros da vida dos jornalistas, mostrando as revelações a que chegam e que afetam o seu passado e a sua emoção. Vasculha a vida das vítimas e demonstra o quanto as denúncias se tornam dimensionadas pelas situações de classe social. Desencadeia a retração da alta sociedade e de pessoas importantes da cidade de Boston. Quebram-se amizades, reinquirem-se figuras que viveram o tempo das primeiras denúncias e se fecharam por não reconhecerem mais o sentido da justiça aos transgressores. E aponta, no momento atual, quantas vítimas ainda são recolhidas e afastadas dos espaços de pedofilia da instituição denunciada (essa é uma das últimas sequencias do filme).
Com sua linearidade, envolve o uso dos recursos de formato clássico, uma trilha sonora sem ostentação revelando as múltiplas revelações do roteiro e um brilhante elenco que a cada momento vai deixando marcas de seu  desempenho sobre o tipo de estratégia que aplica embora encadeado com os outros colegas de investigação.
Esse modo de impactar gradualmente as sequencias, cria no espectador o olho mágico que acompanha os jornalistas dentro e fora da redação, quer nas caminhadas de espera nos gabinetes, na pressa no trânsito sempre tenso, mostrando de que forma um profissional consciente trabalha a sua reportagem. Não livra a responsabilidade do editor (Robinson/Keaton) que havia empacotado, anos antes, o relatório que hoje é recuperado do meio das traças do arquivo morto. Mas acima de tudo aponta para a hipocrisia de uma parte dos membros da Igreja, da burocracia jurídica e dos detentores de altos cargos sociais que tentam emparedar os fatos.
Com pouco mais de duas horas de projeção, “Spotlight” denuncia o assédio sexual de padres, mas é incisivo num detalhe: mostra o quanto pode ser imparcial e justo o profissional do jornalismo. Mesmo que a denúncia a que levam os dados encontrados o tornem receoso de enfrentar a sociedade que escamoteia a verdade.      Para ser coerente comigo mesma, percebi uma ausência: o papel do empresário dono do jornal na publicação da reportagem. Mas aí seria um outro filme. Vamos esperar.


Um comentário:

  1. Oi, Luzia!
    Só assisti recentemente, graças à net. Bom filme esse Spotlight, prende a atenção, mas o final me decepcionou/frustrou, embora siga o livro. Afinal a imprensa denuncia, mas as vítimas, pobres coitadas!, continuam vítimas, e aos algozes parece nada acontecer, pois usam mil recursos para se manterem impunes. Até parece que vítima será sempre, e para sempre, vítima.
    Abraço,
    Ricardo Secco

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