Jesse Eisemberg e Kristen Stewart em "Café Society"
Aula
de cinema todo filme apresenta, sendo ele avaliado bom, mediano ou péssimo.
Cinema é arte, a única arte criada no sistema capitalista disse Vázquez, 1965
(“As ideias estéticas de Marx”). Na operação de criar o filme estende-se a
natureza da estética e cinematográfica projeta seus pressupostos, alguns
ousados, outros nem tanto, mas saídos da mente humana. Nessa expressão veem-se
figuras marcantes de produtores de belas obras na arte do cinema. De Chaplin a
Woody Allen passa-se por tantos outros que a cada leitura visual se inscrevem
como necessários no plano existencial. Tenho meus próprios amores nessa arte.
E
nessa perspectiva de ensejar critérios de valor ao recente filme de Woody
Allen, “Café Society” (2016), evidenciam-se as nuances do que o filme extraiu
de cada espectador/a. Os que detém certo conhecimento da narrativa
cinematográfica observam os elementos constitutivos do filme. Os que se
constituem em um público somente interessado nas realizações desse diretor
também têm sua percepção própria do que viu e gostou ou não, alguns/as
avaliando o repertório de suas obras, outros pelo enredo. Sintomático que mesmo
os que detém uma significativa informação sobre cinema apresentem opiniões
divergentes. Sempre o gosto determina a avaliação.
Nos
filmes de Allen este se preocupa com a argumentação objetivada, o roteiro, a
fotografia, a encenação dramática. De cunho próprio a sequência de elementos
quer dizer que ele segue, como os demais diretores, uma meta ao desenvolver
suas ideias, ensejá-las em um plano de desenvolvimento técnico e define a
natureza dramática de expor essas ideias. Que se determina em um início, um
meio e um fim, não necessariamente nessa ordem. Em “Café Society” a
argumentação trata da indústria cinematográfica norte americana nos anos trinta
e no modo como as principais figuras dessa indústria se articulam compondo um
painel empresarial que torna o meio bastante sedutor, mesmo em empregos de
baixa evidência. Hollywood se transforma no mundo fascinante a ponto de muitos
aceitarem a subserviência em papeis de baixo nível. No caso do filme, o parente
pobre (Bobby, Jesse Eisenberg) aspira tornar-se escritor e se muda de NY para
Los Angeles, em busca de um tio (Phil, Steve Carell), produtor de cinema, que
transita no meio da elite do star system em crescimento, para abrir seu
caminho. Este será o eixo detonador de toda a trama, com o jovem sendo o office
boy na empresa, se articulando entre a busca por uma posição social melhor,
vivendo um romance com a secretaria particular do tio (Kristen Stewart) e todas
as consequências que isso causa devido ao envolvimento daquele com a jovem e a
sedução que as posses dele determinam no interesse dela. Entre idas e vindas
num percurso de fora de seu interesse primeiro, Bobby se contenta com o modo
tradicional de viver e, desse foco, estabelece uma maneira de crescer
socialmente num outro mundo empresarial na sua cidade natal. Mas o lance do
amor com a jovem Vonnie não foi resolvido. Será um dia?
O
primeiro aspecto que se evidencia no filme é a fotografia de Vittorio Storaro
(vencedor do Oscar na categoria por “Apocalypse Now”, “Reds” e “O Último
Imperador”), exigindo ao diretor que ousasse na tecnologia digital, sendo então
o primeiro filme de Allen a experimentar esse formato. Mas não só a fotografia
lhe rende méritos e a expectativa do público é saber o que há de novidade nesse
café que Allen providencia num cenário hollywoodiano dos anos trinta. A
recorrência aos temas de sua predileção envolve a maneira de o roteiro
favorecer sua “passada” pelos velhos caminhos conhecidos dos espectadores,
salvo em “Blue Jasmine” (2013) sua obra de excelência nesta fase.
Em
três recortes, as cores, os personagens e os lugares evidenciam os pontos de
apoio do que quer tratar no que se pode chamar de comédia romântica. Los
Angeles situa o lugar de iniciação de Bobby Dorfman / Eisenberg quer como o
espaço em que pretende assumir uma profissão (diferindo dos membros mafiosos de
sua família, em NY) como o que vai lhe dar entrada para uma nova classe social.
A fotografia introduz as cores do diferencial entre essas classes, do sépia aos
tons azulados impondo as hierarquias entre os que ditam as ordens na engrenagem
da máquina da indústria que cresce. Nesse sitio Bobby encontra a mulher amada,
Vonnie/Stewart, que ao mostrar-lhe a cidade se aproxima do jovem com as armas
da sedução. Beleza e luzes brilham ao seu redor e envolve o protegido do chefe
que também é o dela, inclusive sendo mais do que isso. Na condução dessas
sequencias presentifica-se o tom do cinema dos anos trinta em que certa mulher
da classe social alta é condutora de beleza e os homens se tornam cativos desse
charme. Pelo menos no cinema.
O
retorno de Bobby a NY sofrendo o mal do amor não correspondido pela opção de
Vonnie em casar-se com o patrão incide no convívio em outro mundo. Deixa o
cinema escorrer pela amargura do abandono da amada e reconstrói a vida num
sitio doméstico onde mulher e filhos criam a nova cena para ele. A profissão de
gerente de restaurante fino agrega-o na classe social abastada. Nesse segundo
ato encontram-se novas cores, novos personagens e o reencontro com familiares
que de um outro lado estão esbanjando violência e morte. Cores, sempre as cores
definindo esses espaços. O brilho das luzes do restaurante contrasta com o
escuro das vielas onde os corpos são deixados pelos parentes mafiosos. Nesse
lugar e nesse tempo, a era do ouro do cinema contrasta com o período da
depressão econômica.
Esse
grupo dos bastidores formado pelos familiares de Bobby dá o toque da terceira
vertente do filme. Embora se presentifique desde as primeiras sequencias
compondo o perfil do personagem (numa cena de refeição conjunta, por ex.), em
que pese alguns criticarem como “gratuita” a evidencia deles no filme, a meu
ver marca o momento em que a depressão econômica (1929) ainda estava se
rearrumando no mundo econômico e o gangsterismo se reorganizava em outras
atividades, uma vez que em 1933 o presidente Roosevelt solicitou ao Congresso
dos EUA a revogação da emenda constitucional da lei seca e os que enriqueceram nesse
ramo, com a dificuldade econômica advinda, acirraram os ânimos encastelados
entre as diferentes gangues que buscavam preservar cada palmo de suas áreas de
influência. A guerra no período foi nesse tom e os Dorfman contribuíram nesse
plano. Outro aspecto que se extrai deste grupo é o enfoque da crítica à família
judaica, principalmente nos diálogos sobre religião, numa refeição doméstica.
Na
devida exposição, “Café Society” apresenta uma estrutura dramática na
composição do quadro de atores que considero na média da representação exigida
pelos papeis. Se Jesse Eisemberg se sai bem circulando entre gângsteres
familiares e hollywoodianos (cf. seu tio e o jogo verbal nas negociações da
produção cinematográfica), está no mesmo clima quando apaixonado e também ao
reviver o antigo amor a Vonnie. Kristen Stewart assegura pela fotografia de
Storaro, as luzes e o calor ao novo amor, mas coerentemente se toca mais na
posição econômica e social que o antigo namorado oferece. Como a atriz está em
ascensão, ela apresenta sempre um melhor desempenho em cada papel que encarna.
Na cena final do filme, os dois repercutem o silêncio-símbolo de um grande
amor. Redefinirão suas vidas? Allen deixa na interrogação. Steve Carell, para
mim, é sempre um ator renovado. Do bobinho em “O Virgem de 40 Anos” às novas
caras que deu aos inúmeros filmes em que atuou, alguns melhores do que outros,
neste “Café ...” está muito bem.
Canções
de Richard Rodgers & Lorenz Hart dão o toque de jazz ao filme. Em Allen,
não poderia estar de fora. Como também não poderia estar de fora o excelente
roteiro, os enquadramentos, a mescla entre drama e comédia e o próprio diretor
circulando no filme todo traduzindo sua presença na voz em off que domina a
trama. Odisseia de Bobby no amor? Recurso de Allen para converter suas idas e
vindas na difícil presença do amor em sua vida.
Quando
referi acima que todo filme dá uma aula de cinema quis registrar que goste ou
não goste de “Café Society” você sai do filme achando que o diretor está se
repetindo, mas não pode dizer que ele não deixou registrado o seu ser enquanto
criador.
Filme
muito bom.
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