domingo, 4 de dezembro de 2016

A CHEGADA

Na figura, um tipo de comunicação a decifrar 

Filosofia? Tempo? Desconstrução da tradicional narrativa cinematográfica? Reflexão sobre como entender o processo da comunicação entre os seres sejam eles humanos ou não? São tantas as questões que atingem aos que assistem “A Chegada” (Arrival, EUA, 2016) que dificilmente uma só interpretação poderá resolver o problema levantado por Dennis Villeneuve ao basear seu trabalho no conto premiado de Ted Chiang, “História da Sua Vida e Outros contos” publicado em 1998.
O eixo catalizador que tende a agregar as ideias do filme é a invasão de 12 enormes naves espalhadas ao redor do mundo, corpos desconhecidos e que precisam ser avaliados em sua natureza. A Dra. Louise Banks (Amy Adams) reconhecida linguista local (o espaço centrado é Montana/EUA) é recrutada pelo exército norte americano para o reconhecimento da linguagem captada através dos aparelhos de som do Departamento de Defesa, além do matemático Ian Donnelly (Jeremy Renner). Se a preocupação com os sons de uma linguagem desconhecida de alienígenas invasores irrompe como o elo assustador daquelas naves, a necessidade das forças internacionais é tentar reconhece-las e estabelecer um contato com esses seres. E/ou extingui-los. Quem são, o que querem e o que representam nesse momento são questões que se fortalecem na medida em que o tom ameaçador do momento global viraliza nas descobertas de atentados terroristas.
Se o roteiro de Eric Heisserer (“Quando as Luzes se Apagam”, 2016) tende a privilegiar a fórmula clássica de configurar uma história pessoal (as primeiras sequencias captando a vida da Dra. Banks & sua filhinha) com a abrangência do enredo, todo o trânsito entre a presença dos cientistas e as etapas de avaliação dos movimentos dos seres alienígenas - esta fórmula, contudo, se transfigura e remete a narrativa a uma dimensão fantástica mostrando a natureza humana se desmontando e se remontando em cada momento conforme seja ou estejam sendo avaliados os passos de reconhecimento desses seres que a medida do tempo vai focando cada vez mais aproximados e estes vão deixando de ser sombras tornando-se visíveis através das lâminas de vidro que separam os dois espaços. Da forma anatômica (seres de muitas pernas) à prefiguração de sua maneira comunicativa com essas pessoas que os espreitam (desenhos pouco elucidativos para os humanos, mas definitivos para eles) conjuga-se uma suposta informação aos decifradores de imagens sem que estes confirmem o que captaram através do conhecimento acumulado nas suas áreas de saber.
Na dissolução do enredo linear para uma maneira própria de aconchegar os sentidos, os tempos, a natureza das coisas, a existência humana e a comunicação desfaz-se o olhar sobre a sequência inicial (como primevo) em que a Dra. Louise Banks se investe da representação de mãe de uma criança, Hannah, vendo-a nascer, crescer, mas perdendo-a ao longo do tempo por condições adversas. É nesse momento que o processo da ação comunicativa do cinema de Villeneuve usa seus elementos para mostrar o que não quer transformar em banalidade. As identidades não são tão impositivas assim e a memória é a responsável pela desarrumação da odisseia da linguista. Foi ontem que Hannah nasceu? Ou será amanhã? Ou não haverá nascença? Ou o luto não ocorreu?
Nesse foco vê-se também os tipos de expressão humana onde as institucionalidades internacionais perseguem uma resposta rápida para o que consideram ameaça do desconhecido. Onde encontrar aproximação com membros de uma nação que estejam mais inclinados a avaliar com maior profundidade aqueles caracteres que expressam o processo comunicativo dos alienígenas? É invasão para a tomada do poder? É viagem de reconhecimento às formas de relacionamento entre os humanos pedindo-lhes paz, como fez Klaatu em “O Dia que a Terra Parou”, 1951?
O filme apresenta-se em blocos que operam como definidores conceituais e identificatórios. A presença em sala de aula da Dra. Louise Banks que interrompe a exposição aos alunos sobre a língua portuguesa identificará o contato dos militares norte-americanos para que ela seja a tradutora da linguagem dos alienígenas. E na sequência, cada momento que ela aplica seus dotes de conhecimento e não consegue a aproximação desejada e se intercalam flashbacks de sua vida com a filhinha, outros pontos se acentuam na decifração do tempo e na busca de um conduto objetivado pelos signos observados. Em qual foco ela está centrada - nos seres de múltiplos olhos que se aproximam expondo figuras cilíndricas pouco perceptíveis em seu conteúdo (depois equacionadas pela lógica matemática de Ian que estabelece parâmetros de símbolos) ou na perda da filha que ainda não nasceu? Ou já nasceu? E que tempo? Qual tempo?
O que me pareceu importante na reflexão do filme foi a discussão em torno da comunicabilidade, do tempo e das incertezas deste, das probabilidades dos acontecimentos na existência humana. Que formas de comunicação eu posso usar para transmitir minhas ideias aos outros? Minhas ações seguem a simultaneidade das ocorrências mesmo as inesperadas? Posso me proteger das que são ruins e optar pelas que me trazem bons resultados sabendo antecipadamente das respostas? Nesse caso, a versão sobre o livre-arbítrio traduz a vontade de quem escolheu uma ou outra das ações.
No conjunto das ideias, a reflexão e a confiabilidade interpretativa da comunicação inter-nações foi valorizada, a exemplo, o diálogo entre Louise e o ministro chinês que aprova o reconhecimento que ela faz sobre a presença dos alienígenas na terra e esse fato repercute para as demais nações que já se preparavam para a guerra contra o desconhecido (cf. os múltiplos enfoques da mídia internacional).
O traço alienígena da comunicação racionalizada pela matemática pode catalisar o que viram os humanos nos alienígenas? E o que traduz a linguística em torno de uma significação simbólica daquelas figuras geométricas que se multiplicam à medida que os logs matemáticos executam ordens virtuais de Ian?
A proposta positiva dos representantes internacionais favoreceu o reconhecimento pelos seres do espaço através de seus interlocutores, no caso, a Dra. Louise Banks. Então eles retornam aos seus ambientes originários considerando, possivelmente, um tempo de conhecimento daqueles seres a quem observam, também, com suspeitas. Embora se reconheça que só podemos tratar de nós mesmos, na Terra, impossível desconhecer a observação que foi aplicada por eles aos observadores. O sentido dos seus signos traduzidos pelos terráqueos deu a visibilidade proposta pela construção narrativa de Villeneuve de que os universos se unem.





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