Lorena Lobato (de O Cheiro do Ralo, de Heitor
Dhalia), interpreta Eva, a prática de embarcações.
Caminhos paralelos e divergentes. Noção do tudo ou do nada. Vida e amor. Tensão, dor e incertezas. Desejos, sempre desejos. Busca para além do pragmático.
Nesse
tom se desenvolve o tema do mais recente filme da cineasta paraense Jorane
Castro, o longa metragem “Para ter Onde Ir” (Brasil, 2016), lançado no FestRio
2016 e ainda não programado para exibição comercial. Assisti ao filme em uma
cópia DVD e confesso que me senti compromissada em registrar minhas impressões
sobre ele (tempo exíguo para o registro sobre os filmes no blog). Se as imagens
tradicionais em caminhos clássicos do cinema repercutem ideias que afetam a
perspectiva de quem já avançou alguns degraus na escalada das mudanças sobre a
situação feminina, o que será percebido no filme de Jorane é um salto tanto na
construção narrativa quanto no foco de imagens de mulheres “desenquadradas” dos
padrões reconhecidos.
O
argumento trata de três mulheres que seguem juntas em uma viagem de carro, para
algum lugar, na busca de alguma coisa. Elas partem de um cenário urbano para
outro que vai se adensando em meio à natureza bruta e, pelos diálogos entre
elas, ao longo do percurso, vão sendo percebidas formas diferenciadas de viver
a vida, de entender o amor, de buscar o reconhecimento de si próprias. O centro
definidor da parceria entre elas é a amizade. Eva está no comando. Melina
analisa os parâmetros de sua relação com um namorado e se julga
descompromissada. Keithylennye sente-se ansiosa por ter deixado a filhinha com
a avó. É nesse percurso que as três seguem em frente. O caminho é longo, às
vezes com obstáculos, quase sempre precisam de paciência para seguir em frente.
Onde ir ? Se cada uma espera se reencontrar há sempre um motivo para a busca de
sentido na viagem. Mas há sempre incertezas em cada ponto de encontro ou de
reencontro. E como fica a busca pela ilha que só aparece uma vez por ano?
O
filme não tem concessão nem remete à narrativa clássica de definir o perfil de
personagens. Assim, só aos poucos, ao longo da viagem, vai sendo apresentado certo
reconhecimento sobre elas. Tomada marcante, na primeira sequencia, é a figura
de Eva, de pé, de costas, na embarcação na qual é a prática, cujo motor faz
vibrar a imagem e repercute o som ambiente. Imagem muito forte, singrando as
águas, como se comandasse tudo. Dai em diante, dirigindo o carro, ela conduz as
duas amigas. Nesse micromundo, as três mulheres esboçam suas ideias, as
maneiras de enfrentar as situações que vivenciam em seus relacionamentos,
percorrendo caminhos onde o mato e os buracos criam obstáculos para avançar.
Mas é nesse entorno que se produzem as incertezas sobre onde vão chegar e o que
encontrar. A culpa sobre Eva que esperava ajudar uma pessoa no caminho, e por
isso seu carro atola destruindo uma peça, se associa às angústias de Keithylennye
com as informações que recebe pelo celular por ter deixado a filha que chora
por sentir sua falta, essas situações apontam uma sucessão de momentos-chave
que o roteiro explora como reflexo dos dilemas dessas mulheres que convivem em
dimensões variadas. É o psicológico, é o afetivo, é o lógico operando na
esperteza de procurar sair dessas situações da forma que sabem e/ou inventando
o lúdico para matar o tempo de espera.
A
chegada à praia, o lugar onde ficar, a busca por pessoas e/ou o encontro delas
num novo cenário recoberto pela magia da natureza – a areia branca, a
proximidade entre o mar e a mata, casas quase vazias - esboçado na estrutura do
roteiro, transformam-se em subtramas envolvendo a emoção, a persuasão da
atitude de alguém amado, a proposta de redução do drama de eventos já vividos.
Esboça-se, no fundo, a opção da diretora em evidenciar a não-condição de ser
mulher, mas a reinvenção destas ao se depararem com situações obscuras. Ou não.
O
roteiro tem a estrutura de um filme de estrada, um ritmo compassado, lento em
certas sequencia e mais dinâmico quando chegam à praia. Há uma sequencia de
forma surrealista que indica um caminho paralelo não confirmado. Também o
encontro de Eva com o filho, músico em uma barraca de praia, que foge do
esquema dramático tradicional e não atua no seguido encontro das personagens
perto das ondas onde parece rimar a ideia da “ilha encantada” que se substancia
na metáfora de se achar um recanto paradisíaco e que, até por ser isso,
restrito a um período no calendário da vida. Todo esse processo, com a escolha
de planos e sequencias que fogem à uma narrativa acadêmica, contribui para a
quebra de um certo ritmo que pode ser esperado pelo público que frequenta
cinema comercial, mas se inscreve nos efeitos de uma experimentação de
linguagem que a diretora está produzindo. É um caminho. Espero que a Jorane se
mantenha nessa mudança de olhar o cinema e as personagens femininas e se dê
conta que há muito a fazer. Pelos dois.
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