sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

INGMAR BERGMAN E O CINEMA REFLEXIVO



Quando as Mulheres Esperam (Suécia, 1952) 

Nos anos sessenta conheci o cinema de Ingmar Bergman (1918-2007). Os primeiros filmes que assisti dele: “Quando as Mulheres Esperam” (Suécia, 1952), “No Limiar da Vida” (Suécia, 1958) e “O Silêncio” (Suécia, 1963). Nesses três filmes, o que emergia de suas imagens e da narrativa tão simples que ele traduzia em discussão de cotidianos de homens e mulheres em várias circunstâncias, chamou a minha atenção e me envolveu visceralmente. O resultado disso foi reconhecer que a cada filme desse diretor uma maneira singular de vida se produzia em meio a inúmeras circunstâncias. Isso me fez reconhecer que, ao longo de todas as suas fases criativas de imagens para o cinema uma parte significativa de suas versões se detinha na situação das mulheres. Não de todas, mas daquelas que se faziam próximas de si, as europeias, brancas, a maioria letrada e de classe social média ou alta, definida pela linha do enredo, e se da zona rural ou urbana.
A tradução dessa linha de convergência de sua argumentação mantinha-se, contudo, nas instituições, na forma de estas focarem questões fundantes da vida humana, favorecendo uma repercussão mundial. A exemplo, a sociedade, o casamento, a religião, o Estado, a família etc. Ou seja, tudo o que se detém em modelos instituídos. Nesses ele revolve e desfaz as certezas que possam estar subjacentes.
O imperativo de Bergman – para mim um fator dos mais importantes do processo reflexivo no cinema – é a transferência de cenas do cotidiano numa sensível mostra de incertezas, usando uma narrativa simples sem simbologias, mas direta. No cinema desse autor (daí a sua infinitude criativa) – o tom dramático e emocional de um enredo traduz-se numa argumentação que pode ser uma possibilidade ou não. Tratando de alguns desses vê-se a subjetivação movimentar a câmera e/ou manter-se num plano próximo, ou médio ou geral. Incidem sobre o que espera demonstrar a narrativa simples e direta.
É o caso de “Quando as Mulheres Esperam”, cujo o foco traduz-se em conversas entre quatro mulheres casadas com quatro irmãos, estes a caminho do local onde as famílias passarão as férias. Uma série de relatos individuais, com desabafo de fatos do cotidiano vão traçando formatos do relacionamento entre elas, expondo a maneira de organizarem a vida do jeito que então se mantêm naquela ambiência e parentesco. Casa de campo, paisagens da propriedade, com recortes em planos médios, mas utilizando, inicialmente, planos próximos para captar o contato entre as cunhadas, favorecem a construção psicológica das personagens, evidenciando esse movimento de câmera para que o espectador avalie, nas histórias contadas, os dramas matrimoniais, e se afaste e circule pela casa quando o filme finaliza em planos gerais não sem antes mostrar um momento de diversão com toda a família.
Bergman foca sobre as histórias de mulheres casadas expondo os sentimentos que emergem em versão conservadora ou mais liberal conferindo essa argumentação aos laços humanos entre elas e os maridos. São relatos internos que ao tempo em que escancaram a intimidade das vivências apontam um vazio existencial que as envolve num ciclo social opressivo, as vezes conveniente, intentando que a vida que levam seja mais suportável.
E Bergman segue seu ritmo como criador de uma outra história do cinema por sua maneira de ver as pessoas, as instituições opressoras e a arte convertida em possibilidade de fugir da opressão. Os conflitos que ele aponta a partir da linguagem que adota para mostrar, por exemplo, a simplicidade da trama que engendra para evidenciar o horror da religião sobre uma criança, ou uma mulher, ou um homem, ou alguém que busca conhecer a Morte, ganham importância no interior de cada filme seu. Quais conflitos? Como resolvê-los? Não há respostas visto que o gran finale de seus filmes repercute em divergências paradoxais em suas especificidades. É a irreverência. É a incerteza. Não há respostas. Só questionamentos.
Esse é o Ingmar Bergman que a cada obra inventa uma maneira de ver a vida. Esse é o maestro da reflexão. Seu cinema investiga com amor e simplicidade o comportamento humano.
Ingmar Bergman, 100 anos! Presente!




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