Adaptado
de um conto de Berthold Brecht “La Vielle Dame Indigne” (França,1965) é o
primeiro longa-metragem do diretor René Allio(1924-1995). Como filho de
Marseille ele filma a sua terra atendendo ao que lhe pedem as emoções mostrando
como uma cidade muda de aspecto na medida em que a principal personagem da
história resolve mudar de vida.
Mme.
Bertini (Silvye) ou Berthe, como é chamada, é uma mulher de idade avançada. Na
primeira sequência do filme a câmera capta momentos angustiantes que ela está
vivendo, na cabeceira do marido nos últimos momentos de vida. No processo que
se traduz como os preparativos dos funerais do velho senhor, Berthe é cercada
pelos filhos que desejam orientá-la. Mas ela se rebela. Prefere viver só, na
casa onde morava antes. Resolve viver a vida que lhe resta de uma forma
independente. E acompanhando as imagens que refletem o seu caminhar pelas ruas
e lojas vê-se, não só a sua postura que evidencia surpresa pelas coisas que
observa, mas, também, aos poucos, seu rosto se ilumina e ela vai aprendendo a
sorrir; seguindo-se o percurso que faz pelas ruas e, por onde passa, a câmera
envolve também a mudança de ambiente que está em reconstrução.
Berthe
aparenta ter mais de 70 anos. É mostrada num curso de vida desde a viuvez e os
seus novos relacionamentos e descobertas durante 18 meses. Há uma cena chocante
para quem tem outro olhar sobre certas circunstâncias de mulheres casadas nessa
faixa etária: a atitude de Berthe diante do cadáver do marido. Antes de
comunicar a qualquer pessoa o triste evento, avidamente, investiga os bolsos
dele, de lá tirando o dinheiro que encontra e escondendo-o sob a blusa. Daí em
diante, a situação do enterro, a presença da família questionando com quem ela
iria ficar, a decisão sobre a venda da casa, enfim, os filhos definindo, de
forma aleatória, o curso de vida que ela deveria ter daí em diante,
desconsiderando a sua opinião. Mas seu propósito será outro, afastando-se dos
filhos e construindo seu grupo de sociabilidade composto de uma prostituta e o
namorado desta, vendendo a casa e os móveis, passeando no shopping e fazendo o
que não deve ter feito antes, quando casada: olhar a louçaria, as panelas nos
shoppings e...tomar um sorvete num banco de bar.
O
filme não só ganha mais luz como a direção de arte especifica as transformações
físicas da cidade, as ruas e prédios que traduzem a modernidade até então
desconhecida pela senhora Berthe, presa ao velho sistema patriarcal.
Bretch
propunha, justamente, o encontro social aliado ao íntimo. O roteiro de Allio
com Gérard Pollican apega-se aos elementos de linguagem, seja a cenografia seja
a edição (Sophie Cousein) seja a iluminação (fotografia de Denis Clerval) e,
sobretudo, o desempenho de Silvye (1883-1970) exibindo a postura da idosa na
expressão corporal, salientando seu semblante que vai gradativamente se
iluminando (chegando ao sorriso) quando acha um mundo que desconhecia embora
pressentisse existir fora do lar. Isso e a canção de Jean Frerrat que acompanha
a história de forma descritiva.
Allio
acompanha Sylvie pelas ruas de Marseille em travellings memoráveis, ressaltando
nessas tomadas as transformações que se passam no ambiente (e na personagem
Bertini). O movimento de câmera não é gratuito ou excessivo. Há um apoio
sistemático da necessidade de narrativa, pretendendo sempre alcançar a difícil
posição de um drama introspectivo que o escritor (Bretch) traduziu em palavras
(e entra aí o difícil processo de transformar em imagens o que se escreve em
muitas vezes poucas linhas).
O
filme emociona e, como tal, pode gerar uma licença crítica de quem o vê. Mas em
constantes revisões percebe-se o ganho de René Allio na sua estreia por trás
das câmeras. Foi também o seu primeiro roteiro para longa-metragem. Fez cinema
até 1991.
Mas
a ideia de apresentar um tema fascinante sobre mulheres idosas, formadas em um
sistema patriarcal que definia a vida delas é fascinante. Principalmente nos
dias atuais.
Vivamos
a independência, mulheres de todas as idades! Vamos à luta por nossa liberdade!
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