Entre cinéfilos/as, rever filmes é uma dinâmica da vivência no cinema. Há os que se interessam pelos clássicos dos grandes diretores e autores dessa arte. Há os que se interessam pelos temas que marcaram época. E há os que reveem filmes independente de qualificações especiais. Veem por que querem ver, mesmo. É o nosso caso.
Dia
desses assistimos (Pedro e eu) a “Tempero do Amor’ (The Thrill of It All, EUA)
de 1963, um filme com a Doris Day e James Garner, dirigido por Norman Jewison (a
cópia do filme é nossa). O argumento refere o dia a dia de uma dona de casa,
branca, classe social média, atividades domésticas, casada com um médico de boa
posição. Em um jantar com pessoas da elite ela conta um fato ocorrido horas
antes com os filhos que preferiram lavar os cabelos com um sabonete da marca
Sempre Feliz, aos usados antes. Entre os convivas, estava o empresário desse
produto e, animado, convidou-a para um comercial sobre a sua experiência. À
medida que o programa ganhava popularidade os lucros aumentavam, assim como o
valor do salário da apresentadora, dona de casa. Vida doméstica em baixa com filhos
e marido cobrando a presença da mãe e da esposa. Ao vê-la tão importante mais
do que ele próprio, o marido resolve aconselhar-se com um psicólogo do hospital.
As mudanças são radicais nas atitudes dele, num fazer de conta que já encontrara
os cuidados de outra pessoa. O que ocorre? A esposa sente a culpa, deixa o
emprego, retorna ao dia a dia doméstico, e ainda vai curtir uma gravidez,
considerando-se felicíssima porque havia retomado o amor do marido. Esses
filmes tiveram ampla repercussão na época, haja vista a homogênea sintonia com
as regras tradicionais para as meninas e mulheres.
Desta
argumentação extrai algumas evidências que estão nas discussões atuais sobre a situação
das mulheres, focos da extrema violência que as submete. A atitude da
personagem vivida por Doris Day, ao se “re-compor” para a vida do lar é tratada
como expressão do “amor” e por culpar-se pelo trabalho fora de casa, trazendo o
desapego do marido, haja vista que pelas normas patriarcais a esposa deverá
estar à disposição para as necessidades deste e isso é tratado como “amor
familiar”. A sedução reversa pelo aconselhamento do psiquiatra da empresa incita
o marido a uma dupla vida supostamente afetiva com outra mulher, criando ciúmes
para retomar a companhia da esposa. A posição social que esta assumiu ao se
tornar conhecida no trabalho com uma imagem pública, enfrenta o “des-poder”
dele diante dos colegas médicos que esperam uma resposta masculina positiva.
Na
década de 1960 os filmes impunham a representação dos modelos femininos em que
essa é a versão da uma “terapia” para a manutenção da família com a submissão
feminina em franca positividade. E o que é possível anotar na geração das
mulheres que assistiu a esse filme e aos demais nesse modelo onde o machismo
estrutural, o racismo, a estrutura capitalista mantinha as cordas do violino
enfeixando e enfeitiçando donzelas e que estavam aptas a casar?
Nessa
década inicia-se a segunda onda feminista e esses modelos vão enfrentar a
crítica necessária para a ruptura com a submissão das mulheres. As instituições
(família, igreja, sociedade) encaram essas críticas como anti-familiar, desamor
e tantas e mais alusões negativas que procuram desmontar as críticas e
subverter a conscientização feminina sobre sua real condição de vida. As mulheres
mais ousadas se afastam dos esquemas tradicionais enquanto as demais,
possivelmente a maioria, se amedrontam com as retaliações sociais que surgem de
todos os lados contra elas. E alguns/algumas seguem até hoje na ideia de que o
feminismo tende a ser nefasto socialmente. Na verdade, ele é uma articulação
que previne a violência contra as mulheres e denuncia o feminicídio. Precisa
ser entendido pelas próprias mulheres sobre a sua história de vida refletindo
sobre sua vivência.
A
reflexão sobre os filmes que assistimos e sobre a perspectiva do lugar das
mulheres-personagens nesses filmes é também um processo de crítica feminista à
arte cinematográfica que invade nossas vidas em todos os momentos culturais e
de lazer. E, nestes, pensar o lugar da mulher é uma necessidade, porque não
dizer exigência, para que não haja uma circulação de atitudes pensadas críticas
quando na verdade são recorrências ao status quo. O cinema tem seus redutos
castradores como os produtores, diretores e mais, e mais.
Na
festa do Oscar-2015 algumas atrizes presentes protestaram sobre as perguntas
que fazem a elas sobre seus vestidos no tapete vermelho, mas esperam tratar de
sua carreira, planos, atuação. Essa é uma atitude das atrizes críticas de sua
representação no ambiente cinematográfico. Hoje elas avaliam a forma
discriminadora de serem tratadas nos papéis que representam ou nas questões que
são apresentadas nas entrevistas a que são submetidas devido ao tipo de
perguntas que a mídia lhes faz. Esse não deixa de ser o confronto com o mundo
masculino da arte cinematográfica que sempre situou o homem com os principais
papéis. Elas estão constatando também que mesmo nessa área não são levadas a sério.
É importante a conscientização dessas grandes mulheres que circulam em
múltiplos papéis além de seus próprios enquanto seres humanos. Elas merecem
respeito.
Vamos
aos filmes, não deixem passar a sua versão sobre a crítica social às mulheres
-protagonistas nessa arte.
Feminismos,
Presente!
Mulheres,
Presente!
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